A jornada do Louco
Carta do Louco, jornada do tarô, playlist, tarô casual e mini ritual para espontaneidade.
Antes de enviar o texto do domingo passado, fiquei reticente, pensei se deveria. Mas uma voz na minha cabeça me lembrou de que essas coisas saem da ponta dos nossos dedos porque alguém precisa lê-las. Enviei, mesmo meio incomodada.
Depois mastiguei o desconforto como chiclete velho. Falar sobre feridas não é minha praia. Como dizem aqui: not my cup of tea. Fiquei me perguntando como seguir cutucando o patriarcado sem derramar meu drink. Por ora, a minha resposta é leve, livre e louca. Hoje, falo da carta do Louco no tarô.
Como sempre tem algo de mágico no tarô, acredito que você lerá esta história exatamente quando precisar dela.
Mini aviso
Para mim, o tarô é um espelho da alma e as mensagens que queremos, precisamos ou já conhecemos saltam das cartas porque elas já estão escritas na gente. O oráculo é uma ferramenta para interpretar mensagens que já existem. Estudo tarô há apenas dois anos, este texto é um ensaio.
Boa leitura!
Criei uma playlist inspirada no Louco para acompanhar a leitura.
Louco — o primeiro passo
É ele quem abre os caminhos da jornada do tarô. É o número zero, a fase “pré”, a véspera. É aquela vontade tão grande que você não consegue mais segurar, já está fazendo um pouquinho e alguém te diz para esperar. É a vontade de beliscar antes de servir. Um ímpeto, um impulso que não tem controle — só vai.
Não é preparação, é o pulo que você dá estando pronta ou não. É o clichê ir com medo mesmo. Ele sabe que se a porta abriu é porque o que a gente tem é suficiente. Ainda que seja só muita vontade e frio na barriga. Um cachorrinho branco chamado medo de errar está ali para dar suporte e lembrá-lo de que há pedras no caminho, mas ele não liga, vai aprender a voar durante a queda.
A aventura inesperada tem inocência e o espírito livre e, por isso, pede espontaneidade mesmo de quem faz questão de sentar na frente da televisão segurando o controle. Deixa acontecer. O Louco, bobo — The Fool — diz: relaxa, seja você mesma, está tudo bem, falar bobagens — se você é uma pessoa verdadeiramente boa, vai sempre ficar tudo bem. Só os maus precisam ficar atentos para não serem descobertos.
O Louco também aponta para o que está chegando e nos diz para prestar atenção às novidades. Se pergunto “Quando?”, o Louco me diz: agora mesmo, levanta já daí e vai, com a roupa do corpo mesmo, não precisa nem se trocar. O Louco é impaciente. E se você está sendo impaciente numa situação, a carapuça servirá e aí, você respira bem fundo e pede ajuda da carta da Força, mesmo que ela não tenha saído no seu jogo. Ou então, você tira uma carta pedindo mais um conselho.
A jornada é cíclica
Se olharmos o que vem antes do Louco, veremos a carta do Mundo, o final feliz. Quando passamos de fase, um novo ciclo começa. Talvez você tenha reparado que no tarô de Marselha, a carta do Louco não tem número. O Louco é o protagonista da jornada pelos 22 arcanos.
Ele sai em busca de aventuras e passa por diversas fases: é iniciado e conhece as ferramentas do Mago (I), depois aprende a ouvir sua intuição com a Sacerdotisa (II). Com a Imperatriz (III) e o Imperador (IV) ele descobre a importância de criar e planejar. Passa na igreja e cumprimenta o Hierofante (V) que lhe diz para respeitar seus ancestrais.
Os Namorados (VI) mostram a importância da autenticidade e o Carro (VII) deseja boa sorte. Na Força (VIII) ele aprende a controlar seus impulsos, em seguida, ele e o Eremita (XIX) meditam e o Louco aprende a olhar para dentro. Depois, encontra a Roda da Fortuna (X) e sua vida vira de ponta-cabeça. A Justiça (XXI) garante que ele colherá o que plantou. Mas, sabe como é, pode demorar um pouco. O Pendurado (XII) conversa com ele sobre isso.
Quando está pronto para seguir, a Morte (XIII) aparece para cortar o que só vai pesar na mala e atrapalhar a viagem. A Temperança (XIV) o consola, porque ele pode sentir falta de algumas coisas. Em seguida, aparece o Diabo (XV) com tentações, prazeres e pecados. Ele cai nas armadilhas e um raio desce e quebra a Torre (XVI). O Louco fica nu, só com o essencial e depois agradece: foi melhor assim. O que era sólido e resistente, permaneceu e a Estrela (XVII) veio ajudá-lo a arrumar a bagunça.
À noite, a Lua (XVIII) pode confundi-lo, mas é também um teste: a intuição ainda está afiada? Depois, o Sol (XIX) coloca luz e mostra verdades e aquece seu coração. Se estiver tudo bem, o Louco seguirá para o Juízo Final (XX) onde receberá os louros da sua jornada, se tudo der certo, sem pendências, e ele poderá atravessar o portal do final feliz na carta do Mundo (XXI).
Você já deve ter entendido até aqui que tarô não tem nada a ver com fé. Não é sobre “acreditar que essas coisas funcionam”. Cada carta é um arquétipo que condensa conhecimentos universais — não tem mistério. A carta do Louco pode ser interpretada como um recado para desgrudar a bunda do sofá ou até o contrário: pedir para dar um tempo em casa porque você está bandoleira demais. A carta está fazendo uma provocação e te convidando a pensar.
Quando converso com as minhas consulentes, sempre digo que o tarô está ali para encorajar algo que já sabíamos ou colocar luz sobre o que estava ofuscado.
O Louco é um otimista e a sua figura pode ser um lembrete: não seja boba ou inocente demais. Essa carta, às vezes, vem para dizer que não adianta ficar esperando um milagre — embora eles aconteçam. Quem nunca olha para o céu não vê estrela-cadente, mas quem passa a noite inteira esperando fica com torcicolo.
O Louco é o primeiro a começar os trabalhos. Vai com o que tem. É a energia de fogo dos projetos que você iniciou e não teve vontade de continuar. É o fogo de palha necessário para que a fogueira cresça.
Espero que essa energia inspire a sua semana! Bom domingo e até semana que vem.
Novas aventuras & espírito livre.
No meu tarô casual, esta é a carta do Louco:
O tarô casual é um deck de tarô inspirado pelo Tarô de Pâmela Smith com as minhas ilustrações. Ainda estou ensaiando um lançamento. Por ora, compartilho essa primeira versão.
Mini ritual de leveza & espontaneidade
Brincar ou fazer algo que parece bobo, só por diversão, é um jeito de despertar a sua criança interior. Quando quiser agitar essa energia, lembre-se disso.
E se você gosta de cozinhar e estiver precisando desse fogo que age mais do que pensa, considere usar gengibre, ginseng ou mostarda.
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Bônus
Este episódio do Podcast da Aline Valek conta a história de Pamela Smith, a mulher que desenhou as cartas do tarô Rider-Waite-Smith.
A jornada do Louco
A carta do tarô do Snoopy me fez interromper a leitura e correr pra procurar algum tarô da Turma da Mônica, cujo Louco é meu personagem favorito. Para minha surpresa, não encontrei nenhum. O Maurício de Sousa tem suas figuras licenciadas até em maçã, mas aparentemente ainda não tem um tarô.
Não sabia que os arcanos podiam ser lidos como uma narrativa linear assim, achei isso muito legal.