A mulher moderna é um borrão de atividades
Vamos tomar o café devagarinho hoje
Kesälahti, 18 de outubro de 2020
Gente do céu, hoje escrevo de Kesälahti, um lugar que eu jamais pensei conhecer porque eu nem sabia que existia. Viemos passar o fim de semana do aniversário de Carlos numa casa-barco e aproveitar que ainda não está muito muito frio na Finlândia (a temperatura ainda não vai ficar negativa, ufa!).

O céu acima dos pinheiros está um cinza bem clarinho, bem mais claro do que o cinza do lago que espelha as árvores ao redor, mas só um pouquinho. Eu amo ficar olhando a água balançando de leve e formando essa textura de quando a gelatina não dá muito certo. Mais cedo, tinha uns pássaros dançando na água, que alegria.
Tá fácil ficar observando esses detalhes: é final de semana e estamos de férias. E aqui não é lugar de fazer nada que não seja relaxar. A gente fez sauna à noite (Finlândia, né?) e se deslumbrou com a quantidade de estrelas que o céu mostrou pra gente. Vimos uma estrela cadente, mas não deu tempo de fazer um pedido. Tudo bem. A realidade vai bem.
Hoje quando abri meu caderno para escrever, encontrei um trecho do livro de sempre (Mulheres que correm com os lobos) que me lembrou de comemorar o fato de conseguir relaxar, porque isso é bem novo para mim. E é uma conquista, amém.
“The modern woman is a blur of activity” (A mulher moderna é um borrão de atividades),
Clarissa Pinkola Estés
Depois de um colocar uma carta de tarot para uma amiga há umas semanas atrás, tivemos uma conversa sobre esse assunto. A carta do Diabo apareceu dizendo para aproveitar sem culpa, dormir até o sono acabar, se permitir fazer o que vão dizer que é perda de tempo. Um lembrete pra gente comemorar a delícia de ser. Apenas.
Eu contei pra ela sobre a necessidade que eu tinha (não tenho mais!) de preencher todos os minutos do meu dia para me sentir produtiva. Não aceitava acordar tarde nem no final de semana, e acordava cedo para, sei lá, arrumar a casa, ler um livro, fazer algo para preencher.
Preencher era o verbo, mas não tenho ideia do que era o vazio.
Aula de tudo quanto é coisa, cursos no final de semana, mil atividades, trabalho bombando, acordar às 6h e levar a Zeldinha no parque. Eu estava mesmo fazendo mil coisas, mas estava exausta, não sabia onde queria chegar e provavelmente não chegaria a lugar nenhum porque não tinha fôlego. Não tinha tempo para respirar.
Eu lembro bem o que foi que me fez parar e perceber esse vazio.
Não foi autocuidado, não foi por mim.
Não vou contar aqui, porque eu tenho vergonha.
Na pausa percebi que aquela produtividade me distanciava de mim mesma. A tentativa de preencher o vazio existia porque faltava quem eu era em mim.
Foi depois de parar de tentar preencher e, nossa (!), descansar de verdade, que passei a ter fôlego para realizar coisas como essa newsletter, por exemplo.
Quando parei, pude enxergar o que eu queria e me encontrar (estava uma bagunça).
É incrível como a pausa absoluta é produtiva.
Se puder, para um pouco. Toma o seu café devagarinho.
Bom domingo e até semana que vem.
tass
O mundo grita isso para gente, a ideia de ser máquina. Uma vez uma amiga minha falou que outra amiga dela disse na segunda-feira “Uma ótima semana e que seja bastante produtiva”. Minha amiga, que não é boba nem nada retrucou “Credo, quero produzir assim não, quero deitar na rede e não fazer nada também”. Aí a amiga dela corrigiu “E para a Lu, uma semana não tão produtiva assim”. Nunca esqueci desse diálogo.
Nossa, amei teu texto! Me identifiquei bastante e foi muito bom ler a respeito. Sinto que também tenho que parar. Beijos