São Paulo, 20 de dezembro de 2020
que alívio escrever essa data! Finalmente este ano está acabando e eu sinto que minhas energias podem se renovar automaticamente quando pisar em 2021. Mesmo que lá fora continue tudo igualzinho, eu terei mudado.
mas, quem me acompanha no Instagram sabe que o brunch de hoje não é sobre começar 2021 com as esperanças renovadas. Eu contei lá que vou falar sobre a série Amor & Anarquia (Netflix) com spoilers - então se você ainda não viu a série e não curte spoilers, sugiro deixar este texto para depois (aproveita e encaminha para a sua amiga que você sabe que já viu).
Amor & Anarquia conta a história de Sofie (Ida Engvoll), uma mulher que vive uma vida normal e que tem tudo para ser chamada de felicidade: marido, casa bonita, bons empregos e filhos. A única coisa na vida dela que foge um pouco à regra é o seu pai que é um comunista inconformado e acaba causando alguns conflitos na família - aliás, o pai dela é um dos meus personagens preferidos.
a série é principalmente sobre o relacionamento extraconjugal e fora do comum entre a Sofie (Ida Engvoll) e o Max (Björn Kjellman), mas é também é sobre a história da editora em que eles trabalham e tem outros personagens que valem conhecer, como o Friedrich, a Denise e o Lars. Porém, eu decidi focar apenas nesse casal inusitado.
a história de Sofie e Max me lembra da história da Vasalisa e da Baba Yaga, como se eles estivessem alternando entre as personagens a cada desafio (eles fazem um jogo em que um desafia o outro a fazer algo meio bizarro). Primeiro, a morte da mãe boa demais com Sofie se masturbando no trabalho; depois, Max denunciando sua natureza sombria e indo navegar nessas trevas.
quando Max vai visitar a família, ele encara a megera selvagem e decide servir o não racional se entregando ao que sente. Mais tarde, Sofie começa a separar as coisas quando percebe que Max, assim como o pai dela, valorizam quem ela é e a história que ela havia escrito (sobre a menina-semente que vira uma floresta) enquanto o marido (Johan) ridicularizava.
depois de tudo isso, os dois passam a ter clareza e saem fortalecidos (nas quatro patas!) para reformular as suas sombras.
poderia terminar aqui, mas ainda tem muita conversa.
ANARQUIA
ali no comecinho, confesso que fiquei de orelha em pé com as cenas das Sofie se masturbando para aliviar o estresse. Ela se masturba vendo porn no celular com fones de ouvido para relaxar antes de sair de casa para o trabalho, depois de ter passado pelo estresse matinal com as crianças e o marido. Gostei dessa quebra porque essa motivação de "aliviar estresse" ainda é muito masculina, principalmente quando ela faz isso no trabalho - que é quando tudo começa.
quando o Max pegou ela no flagra (e filmou tudo!), a minha reação foi um misto de o que tá acontecendo?? com afff! sério?! mas resolvi me deixar levar porque eu estava gostando das cenas em Estocolmo que me lembravam de Helsinki. E aí, depois que eles foram almoçar para pagar a chantagem, percebi que ela já estava com uma fenda, sabe? O movimento totalmente inesperado do Max tirou Sofie de dentro da caixa. Ela sentiu tanto medo de ser exposta que se abriu, sentiu o cheiro da liberdade e da possibilidade ser quem ela quisesse ser. Para mim, isso ficou claro quando ela deu uma de louca e gritou no restaurante para conseguir ficar com o celular dele.
é assim que o jogo começa! primeiro com o celular, depois com um batom Yves Saint Laurent e desafios bizarros: uma foto de clítoris no Instagram da empresa, gritar com alguém aleatório, fingir que é o CEO da editora, se vestir de Cindy Lauper, andar de costas o dia todo, conseguir um emprego em um dia, pular do trampolim da piscina pública pelada e por aí vai.
AMOR
nessa baguncinha os dois vão se abrindo um para o outro, se divertindo e conhecendo a si mesmos. As coisas vão acontecendo aos pouquinhos, mas rapidamente. E foi tão lindo o primeiro beijo que eu quase me esqueci que a Sofie estava traindo.
mas ela não. Ela sentiu culpa pelo que estava acontecendo e tentou fingir que não estava apaixonada pelo Max, tentou fugir da situação, até que quase conseguiu.
mas, enquanto ela explorava e redescobria a si mesma com esses desafios bizarros, em casa, com o marido, o movimento era contrário. Johan ri das suas ambições e decide que a família deveria se mudar para Londres, longe dos problemas com o pai dela.
revendo a série, até reparei lá no começo quando ele fala que ela é uma "esposa troféu" por ser muito bonita. Era só isso que ele via.
a história de mudar para Londres acaba agradando muito o filho mais novo do casal e Sofie tem uma recaída e abandona quem ela é de verdade. Ela desiste do trabalho, do Max e de si mesma.
NO SPA
mas, tem uma virada aí. Numa conversa, a amiga desabafa que estava com problemas mas agora está "bem melhor" graças aos antidepressivos, remédios para dormir e sedativos que a ajudaram a "parar de pensar e sentir muita coisa sempre" e que "agora quase não sente nada". Nesse momento, Sofie tem um estalo e acorda.
ela não quer essa dormência para si.
no final, quando ouve o marido falando sobre como o trabalho dela é péssimo e como ela vai ser feliz com tempo para si mesma e para as crianças em Londres, Sofie reage como se fosse um bicho rosnando para as pessoas (adorei essa cena!). E assim ela foge da vida domesticada que estava prestes a levar.
foi por pouco que ela não caiu na armadilha de deixar de ser quem realmente gostaria por uma felicidade padronizada - ela estava na pintura completinha. E é essa felicidade que nos engana e nos faz sentir culpadas ou ingratas por questioná-la.
eu fico pensando nas vezes em que a gente não se escuta e fica esperando um sinal divino que faça muito sentido para seguir nosso coração. Os planos precisam ser práticos, precisa parecer seguro, precisa parecer certo. Mas a verdade é que nem sempre vamos ser as melhores versões de nós mesmas seguindo a linha reta.
como a gente cria coragem de mudar de quem "estamos sendo" para quem realmente somos (que é provavelmente o que vai nos fazer sentir plenas e felizes)?
não tenho a resposta. Mas estou alerta e prestando atenção às minhas demandas, focando em me priorizar. Às vezes, é auto indulgência. Às vezes, é só pedir um favor. Desejo o mesmo a todas vocês!
Bom domingo e até semana que vem.
🥐🥂