Mau-humor
Parece que estou possuída. Peço desculpas randômicas porque tenho certeza de que estou sendo estúpida no tom, na voz. Tem uma ogra falando por mim. Evito alguns assuntos porque pode me dar vontade de xingar do nada. Olha esse serviço porco que a mulher fez na minha unha. Nunca mais vou numa manicure aqui. Sonhei que você me traía. Que ódio. Vamos, por favor, falar de outra coisa, porque tem festa de criança hoje.
Eita, ainda tem que embalar o presente. Amor, rasgou o papel aqui desse lado. Então faz você. Desculpa se fui grossa. Meu peito está tão inchando que dói, arde e parece que vai cair do corpo. Estou irritada hoje. Amanhã melhora. Ontem chorei no show. Sei lá porque, não me pergunta.
Como pode dois espíritos tão diferentes habitarem o mesmo corpo?
Onde moram os hobbies
Recebi a palavra “catalisadora” num teste vocacional (existe isso depois dos 30?) e senti sumir um peso das minhas costas. Sempre achei que era “fogo de palha”. Começo, mas nem sempre tenho vontade de dar continuidade. Catalisadores têm seu espaço no mundo, e seu valor, quem diria.
Além do teste, a mentora me sugeriu montar um board com o que gosto de fazer e todas as ideias malucas que tenho. Primeiro, uma lista infinita de tudo que eu gostaria e também o que preciso fazer todos os dias. Fiquei um tempo encarando o ninho de mafagafos, hobbies e trabalhos misturados. Trabalhar desconectada do que faz o mundo melhor me dá vontade de largar o emprego e viver de hobby. Disseram que trabalhar só para pagar as contas não é bom.
Dinheiro, propósito e hobby não coincidem.
Eu adoraria ser paga para ajudar mais mulheres a serem criativas, mas ainda não encontrei esse emprego (só o amuleto criativo). Escrita criativa precisa ser livre e independente. Tenho boletos de adulto, preciso de dinheiro.
Dinheiro.
Propósito.
Hobby.
Separados em três trilhas. Ainda não coincidem, mas saber quem é quem, alivia a cabeça preocupada. Se estiver com as ideias bagunçadas, faça sua listinha também.
Reaver
Estou fora do Twitter há duas semanas. Nem avisei, só desliguei. Toda vez que deixo de escrever lá, parece que estou me ganhando de volta. É como se eu readquirisse o que a Meta e o Elon Musk roubam de mim. Os algoritmos são robôs piratas que saqueiam meus hábitos de consumo, minhas fotos, minhas amigas, minhas conversas, meus likes. Eles sabem quem eu stalkeei na semana passada. Sabem quem vê meus stories mais de uma vez.
Quando escrevo no papel, me recupero. Sou só minha. É tão bom aqui. Um quarto de hotel luxuoso, com banheira de espuma e taça de champanhe — só para mim. Que delícia rolar por esses lençóis macios, calçar minhas pantufas. Sozinha com os meus pensamentos, reclamo dos infortúnios e do que não concordo sem ter meu comportamento saqueado e transformado em moedas de piratas bilionários.
Adultos úteis
Sou otimista, porém irritada. É que se fosse pessimista, nem abriria os olhos. E de olhos fechados para o mundo, eu morro. Não quero morrer. Comecei a fazer crossfit para ganhar massa muscular. Quero me vestir sozinha aos 80, dirigir, comprar flores, montar um vaso bonito na sala. Xingar o machismo e misoginia que seguem. Não aguento mais todas as pessoas do mundo odiando meninas e mulheres. Às vezes, penso em ser mãe, mas lembro como o mundo trata as mães e desisto, com raiva. Melhor esperar até os 40.
Dilma disse que a coisa mais importante de um país é o seu povo. Se o povo nasce da barriga de uma mulher, mães deveriam ser os seres mais importantes da nação. Mas o homem tem o papel dele também: gozar. A mulher não precisa gozar para gerar uma vida. Ela só precisa nutrir, carregar no ventre, dar à luz, amamentar o bebezinho. Depois é só alimentar, educar, levar para passear, dar banho, trocar fraldas, levar no médico. Ir à escola quando a criança chuta o amiguinho e conversar com a tia.
A nação pode gozar de mais um adulto útil. As mulheres não precisam gozar.
A mulher precisa gozar.
À leveza
Decidi que quero ser leve e ficou fácil desapegar da textura do tapete da sala. Parei de estudar para concurso público. Não gasto dinheiro com manicure, nem pedicure.
Não compro bota pesada que não cabe.
Mala pequena. O vento quem leva.Coleciono apenas abraços longos e sorrisos largos que são grandes,
mas cabem.
Amiga, fiquei impressionada com nossa sincronia, acabei de programar minha news de amanhã e agora lendo a sua, elas se conversam tanto.... Amo quando isso acontece (ainda mais na aleatoriedade e não apenas inspiração na outra) .
Sabe que antes de ler aqui eu estava com essa frase na cabeça “quanto menos uso rede social” mais eu me conheço. Que curioso. Estou meio irritada esses dias, é que 28 de fevereiro está chegando e esse dia me dá tanta raiva, e me permito sentir, mas dói demais sentir.