Essa foi a primeira vez que tirei férias sem estar exausta do trabalho — tirei porque não me aguentava mais de saudade e não quero sair daqui para o Brasil no verão. A ideia é só sair da Finlândia quando está frio para ganhar mais tempo de sol no ano, na vida.
Não sei se é só a minha pele de brasileira que sente, mas quando pisei no Brasil senti uma coisa boa de vida, de cor, de fertilidade. A densidade da mata atlântica é mais forte que os pedregulhos que arranham o céu de São Paulo. Fiquei meio boba, como quem volta para casa da mãe e se joga no sofá. Também tive a sensação engraçada de que todo mundo parecia com alguém conhecido. É que as pessoas no Brasil, especialmente em São Paulo, parecem com as pessoas que eu conheço. Na Finlândia, todo mundo tem cara de gringo e eu só conheço um ou outro.
Esse deslumbramento todo deve ter sido porque essa foi a primeira vez que voltei depois de dois anos morando fora. Em julho de 2021, mudei para a Finlândia, o país mais feliz do mundo — mas certamente não o mais alegre. Alegria é no Brasil.
17 dias de samba, coxinha, Academia da Berlinda, cerveja de garrafa, pão na chapa, pão de queijo, suco de tangerina e de caju, pão francês, macaxeira, cuscuz, feijoada, tacacá, farofa, vinagrete, churrasco. Não deu tempo de abrir o computador, mas abracei quase todas as minhas amigas. Entre Brasília e São Paulo, enchi minha mala de produtos da Granado, livros em português e afeto, muito afeto.
Fiz tanta coisa que cheguei aqui doente, uma ressaca acumulada. Talvez por excesso de social, como algumas amigas minhas me disseram: você não saía assim quando morava aqui. É verdade, eu amo socializar, mas com moderação. Duas ou três vezes no mês. Se passo do ponto, ao invés de energizar, dreno. Mas a saudade e a oportunidade rara me obrigaram fazer o esforço. E, quer saber, provavelmente farei tudo de novo na próxima vez que pisar na terra brasilis de novo.
Voltei com a sensação de putamerda que país foda. O Brasil é uma coisa que sei lá. Um país gostoso. O problema realmente é a herança maldita da colonização, dos homens maus no poder que a gente segue brigando para que caiam e para que suas ideias mesquinhas morram. Não sei se é assim porque é, ou se é como eu me sinto porque sou do Brasil, brasileira. Aliás, me sinto muito brasileira aqui. No Brasil, eu era meio pernambucana, meio amazonense. Quase nada amazonense. Pouco sotaque para ser nordestina. Aqui, não importa nada disso. As pessoas acham que faz sentido que eu seja brasileira: falante, extrovertida, animada. Combina com o estereótipo.
Cor, textura, cheiro, sabor, chuva, sons do Brasil. Tenho certeza que não é só a minha pele que sente a riqueza que é. Apesar disso, eu nunca havia reparado quando estava do lado de dentro, indo e voltando de ônibus, de metrô, trânsito, passo apertado, esquerda livre. É que pelo caminho tudo que é injusto, feio, sujo, caro, poluído, triste ficava ali me lembrando que não é só Carnaval e praia bonita. Não é, mas bem que poderia ser — e a esperança voltou.
Não gosto de viajar
Ainda mais de avião que é um combo de humilhações que ninguém fala abertamente sobre. Você paga caro, mais caro ainda para poder colocar uma bagagem, depois te obrigam a despachar a mala de mão novinha que você comprou na última Black Friday. Pedem para chegar com uma hora de antecedência para um voo doméstico. Você chega, senta na frente do portão e faltando cinco minutos eles trocam o portão e atrasam o voo.
Eu, quando entro no avião, já começo a ficar melancólica imaginando se as pessoas vão conseguir reconhecer meu corpo pelas minhas tatuagens porque é certeza que vai despencar lá do alto e vamos todos morrer. Se tem criancinha, evito olhar para não deixar escorrer uma lágrima. Um dos voos que mais tive medo, inclusive, foi um que quase perdi, mas corri muito e consegui entrar. Quando coloquei o cinto pensei: Deus tentou me salvar, que burra.
Por sorte, minha memória é fraca e já esqueço todo o drama no desembarque. Fico deslumbrada com lugares novos. Amo sentar num café com uma vista que nunca vi antes, conhecer um museu ou experimentar um prato diferente. Fico bem fora de casa por uns três dias. Mas, depois da quarta noite, já começo a querer voltar para casa. Se passa muito disso, me prometo que nunca mais viajarei de novo. Haha.
Mas continuo. Porque apesar da insalubridade que é ficar horas trancada sem poder abrir a janela, é bom ver o mundo e as pessoas que resolveram morar do lado de lá.
Até a próxima!
Tássia
Emocionei aqui. Que descrição quentinha do brasil. Lembrou até a mim que nunca morei fora daqui, que a gente tem muita coisa boa e gostosa sim. Admiro tanto vc 💕
Que delícia de texto ❤️