Hoje tem recomendação de música para acompanhar o texto.
Ez dugu nahi beste berorik
zure muxuen sua baino
Ternuatik gure portura
Basotik labarretaraino
Não queremos mais calor
do que o fogo dos teus beijos
De Newfoundland ao nosso porto
da floresta aos penhascos
Música vencedora do prêmio Goya (melhor canção original)
Helsinki, 10 de outubro de 2021
quando terminei de ver o filme Silenciadas (Akelarre, 2021 _ Netflix) deu vontade de reunir mulheres e sair correndo por aí, enlouquecidas, baderneiras, peladas, peludas, como quisermos. Eu quis me ver como aquelas meninas: livres, impulsivas, de bem com seus corpos, seus cabelos, intuição, criatividade e — uma das melhores partes — conectadas com a natureza.
Talvez até comer uns cogumelos alucinógenos e rir compulsivamente. Se uma de nós puder tocar banjo ou ukulele, que maravilha, alguém canta, eu acompanho e dançamos juntas.
Mas, não é sobre isso. O filme Silenciadas conta uma parte de um extermínio que Pierre de Lancre conduziu no País Basco, em 1609. O inquisidor era nomeado direto do rei e tinha poderes plenos para julgar qualquer comportamento que considerasse libertino ou pouco religioso. E aí, qualquer mulher que fugisse do esperado era acusada de bruxaria, depois queimada viva. Seus bens e propriedades eram confiscados.
A história conta que Lancre acreditava que Satanás, sexo, dança e mulheres jovens e bonitas eram o problema do mundo e isso está maravilhosamente bem colocado no filme, para o bem do nosso entretenimento.
Em paralelo, Pierre de Lancre obcecado pela libertinagem feminina — segundo ele atiçada por Lúcifer — me fez pensar na audiência do caso Mari Ferrer que aconteceu no ano passado. Homens apontando o comportamento feminino como uma desculpa para fazer o que quiser com os nossos corpos: estuprar ou queimar na fogueira porque estávamos ébrias, voluptuosas, safadas. Se sentamos de pernas abertas ou se postamos uma foto sensual: estupro culposo.
Uma amiga me perguntou se Silenciadas era “pesado” e agora arrisco dizer que o filme é mais leve e menos humilhante do que a audiência de Mari Ferrer.
Apesar de ser triste ver mulheres criativas e felizes sendo esmagadas, gostei de imaginar que algumas possam ter sido sagazes a ponto de rir da imbecilidade dos homens da Igreja que realmente acreditavam que bruxas perderiam tempo fazendo danças para um demônio cristão. Mari não teve esse mínimo de respiro e esperança que Ana, María, Katalin, Maider, Oneka, e Olaia tiveram, mas agora tem o apoio de milhares no mundo todo.
O patriarcado tem a Igreja, a Justiça, o Estado e muitos dedos apontados para as mulheres (bruxas, vadias… cada hora com um nome diferente), mas ver que a sororidade e o amor entre mulheres pode mudar um pouco o nosso sofrimento me deixou esperançosa.
Para lidar com o gosto amargo logo após ver o filme, finalmente comecei A Criação do Patriarcado, de Gerda Lerner. Estou precisando de conceitos claros para conseguir lidar com esse ódio às mulheres pregado desde sempre e ainda em alta. Meus conhecimentos sobre a estrutura do patriarcado ainda são rasos para entender a misoginia de forma mais lógica, e quem sabe, menos sofrida (será que é possível?).
Eu já desconfiava que o ódio às mulheres é institucionalizado, enraizado historicamente e o filme Silenciadas confirma isso ao mesmo tempo, em que mostra uma saída. Não odiaríamos umas às outras assim de graça, não somos bobas. Tem algo maior por trás fazendo com que a gente repita esses padrões.
Minha nova estratégia de sobrevivência é parar de criticar mulheres mentalmente (sim, ainda faço isso, infelizmente) e aprender a amá-las profundamente, por mais diferentes de mim que sejam. Num mundo misógino, onde mais da metade das mulheres assassinadas foram mortas por alguém da família, não tem nada mais revolucionário do que amar uma mulher.
Amo vocês!
Bom domingo e até semana que vem 🥑✨
Tássia
Este conteúdo é livre de publicidade, considere apoiar ou compartilhar.
Eu adoro os seus textos mas esse ganhou um cantinho especial no meu coração <3
amiga, eu assisti o filme ontem e lembrei tanto desse seu texto.
cada trecho tá gritando muito aqui dentro, exatamente por querer aprofundar mais sobre como sempre fomos atacadas e proibidas e tanta coisa. cada vez mais real de que somo as netas das bruxas que não conseguiram queimar e estamos aqui pra fazer barulho, semore.
é um potência enorme!