Sabe quando as falas não se falam?
Eu falo que vou pra Tailândia, e você me responde "levei um tombo"
Helsinki, 13 de Fevereiro de 2022
sabe quando você não consegue conversar com alguém porque parece que as falas não se falam?
Uma vez, cheguei ao trabalho (presencial naquela época) com muita dor de cabeça. Dei bom dia para uma colega do lado e disse que estava com dor e ia pegar um remédio com a médica no andar de cima (sim, tinha uma médica dentro da empresa, era ótimo).
A resposta da minha amiga foi tão esdruxulamente bizarra que eu fiquei ????? por alguns segundos. Ela não disse nada, apenas mostrou as duas mãos com as unhas viradas para que eu visse alguma coisa. E em seguida comentou algo sobre as unhas, mas não me lembro mais o que era.
Não entendi nada. Só achei graça e subi para buscar meu ibuprofeno.
Mas foi depois desse dia que comecei a perceber mais atentamente as conversas desatentas que circulam por aqui e por aí. Elas estão por toda parte. Você fala “amiga, vou pra Tailândia” e a sua amiga responde “menina, e eu ontem estava andando aqui na rua de casa e levei um tombo”. Você continua falando da viagem, como se falasse sozinha e sua amiga falando do tombo.
Quando tem um celular no meio da conversa, a situação consegue ser ainda mais desatenta. Você está conversando e de repente a pessoa só diz “hmm”, “siiim…”. Ou então, você está contando uma história na sala e é atravessada por um “eita, a Bárbara ganhou o anjo” que desvia a conversa e puf.
Quando eu era adolescente, “conversar com as minhas amigas” estava na lista de coisas que eu mais gostava de fazer. E agora me pego pensando se as conversas estão em crise. Aparentemente estão.
Não tenho resposta, mas consigo pensar nos motivos: tem a ansiedade que nos deixa desconectadas e viciadas na dopamina da notificação e aí, se o celular tá por perto, é quase impossível não olhar rapidinho “pra ver se minha mãe falou algo sobre a cirurgia que ela vai fazer”. E mesmo se não tiver nada, a gente abre só para dar a aquela puxadinha pra baixo para atualizar o feed - é automático. Ou então, a gente só quer desabafar e, quando a oportunidade aparece, a gente puxa o microfone e aproveita para mandar textão, áudio de cinco minutos ou para roubar o assunto da mesa.
Parece que as conversas viraram um grande compilado de áudios sem sentido tocando 2x mais rápido. Todo mundo fala. Ninguém ouve.
Ninguém quer mais conversar?
Essa matéria do El país traz a visão de Sherry Turkle, psicóloga pesquisadora do assunto, que aponta o uso desregrado do celular como principal motivo para as nossas desconexões. Ela diz que o tete-a-tete é uma forma de curar o nosso cérebro viciado em notificações (mas tem que ouvir o outro, hein?). Ela publicou dois livros sobre o assunto: Alone together e Reclaiming Conversation.
E mais duas matérias para quem é a favor das boas conversas:
✨A magia de conversar
🥑Você pode estar viciada em notificações
Se você gostou desse texto, encaminhe para outras amigas.
E se você recebeu e ainda não está inscrita, vem pro brunch!
Até mais 🥑✨
É mesmo uma crise! Acredito que movido pela tecnologia e pelo overflow de informações, imagens e possibilidades de conexões mil. Exceto aquela que nos demanda foco. Faz falta o olho no olho, a conversa sem intervenção eletrônica, o estar presente no momento presente. Ótimo texto, Tássia. Sempre bom te ler.
Eu amei o texto! Tenho pensado sobre o metaverso e pensei que antes o discurso sobre a internet era de que estaríamos mais conectados. Só não disseram com o quê. O celular tira a gente do momento presente, mais conectados e mais distantes fisicamente. Eu queria ter uma visão mais positiva sobre o futuro.