Fui dormir às 2h pensando em como o mundo precisa de mais arte e literatura do que sei lá, sapatos. É que antes de deitar, estava num curso online de escrita no fuso horário do Brasil, com a Monique Malcher.
Acordei com o cérebro embaralhando as respostas: compaixão, doações para refugiados, justiça, arte e startups para cutucar empresas gigantes como a Amazon e os bancões. Deve haver um jeito das livrarias se unirem contra Jeffrey Bezos.
Ikigai — um conceito japonês que significa “razão de viver” — provoca o mesmo questionamento para ajudar as pessoas a descobrirem o que podem entregar e encontrar o seu propósito. Quais das coisas que sabemos fazer casam com o que o mundo precisa? Ligue os pontos.
Ainda que não haja emprego para todas as pessoas desempregadas no mundo, precisamos todos trabalhar para pagar os boletos básicos. A conta não fecha. Quem sabe disso, muitas vezes, foge da armadilha que é o mercado de trabalho tradicional. Empreender porque pode ou como dá, para sobreviver.
Produzir em excesso. Viver em escassez.
Em 2021 — a indústria produziu 22.2 bilhões de sapatos, 100 bilhões de peças de roupas, milhares de computadores e celulares. Bilhões de brinquedos.
Precisamos de tantas bugigangas?
Para vender esse tanto de coisa é preciso que os consumidores passem muito mais tempo vendo vitrines. E é o que Instagram faz muito bem: entrega os nossos olhos grudados na tela para quem precisa vender. Toda vez que a gente visualiza uma propaganda, o Instagram ganha alguns dólares — é o tal do CPV (custo por visualização). E se a gente clica, melhor ainda — tem o custo por clique. Saber disso e ainda assim ficar grudada no celular me deixa perturbada.
Então, chega de tecnologia?
No meio da cachoeira de conteúdo que nem consigo apreender, vi um post sobre Luddites, ativistas anti-tecnologia. A expressão não é nova e algumas pessoas usam pejorativamente para rir de quem se recusa a ter um celular.
Essa história começou quando Ned Ludd destruiu uma máquina têxtil para protestar contra a substituição dos seus talentos manuais. Isso foi na Inglaterra do século XIX. Artesãos que perderam seus negócios porque não conseguiam competir com as máquinas seguiram o movimento. Estavam todos revoltados com a industrialização que chutava muita gente para fora da economia. As fábricas produziam mais, em menor tempo, com quantidade limitada de trabalhadores e nenhum talento manual — bastava repetir tarefas.
Os Luddites se rebelaram entre 1811 e 1816, mas foram reprimidos pelos donos das fábricas que tinham apoio das forças militares. Agora, o que restou dessa ideia se resume à recusa de comprar um smartphone — usam no máximo um celular básico para ligar e receber chamadas.
Mas a ideia do movimento não é destruir as novas tecnologias. Eles apenas criticam como a tecnologia pode empobrecer e alienar ao invés de servir a um bem comum (pálpebras capitalistas tremem com essa palavra). Desde à Revolução Industrial, a tecnologia tem suprimido talentos artesanais e produzido nociva e exageradamente. Não vou me alongar até a Inteligência Artificial, mas você já deve ter ouvido o burburinho.
O mundo não precisa de mais uma máquina de moer talento, criatividade, originalidade.
Apesar disso, há esperança.
O mundo está cheio de esperança, acredite. As boas ações não emplacam na mídia, mas elas existem. Na paralela, tenho pensado sobre o que significa se alienar, porque eu achava que era simplesmente não consumir notícias e não é bem assim. Aliás, só consumir notícias pode fazer mais mal do que bem.
O que me ajuda a seguir otimista.
1 — Krenak. Eu só li o “Ideias para adiar o fim do mundo” e sempre me vem Ailton Krenak quando quero me recuperar dos golpes de desilusão sobre o futuro da humanidade. Se acreditamos que há pessoas boas no mundo, o bem pode triunfar como numa história de super-heróis.
2 — As Nadadoras (2021) — assisti ontem na Netflix e a resiliência de Yusra e Sara Mardini renovaram minhas esperanças. Depois, dei de cara com esta entrevista com uma mulher que ajudou refugiados em Lesbos e conheceu as irmãs Mardini. O filme conta a longa jornada das duas nadadoras até a Alemanha, perfurando fronteiras e cruzando o Mediterrâneo num bote superlotado. Para chorar, se revoltar e querer fazer alguma coisa.
3 — Comprar do pequeno para incentivar sonhos e não máquinas e empresas gigantes que roubam de pessoas talentosas. Me sinto secretamente meio Robin Hood quando deixo de comprar de bilionários e fortaleço pequenos negócios — ainda mais se forem de mulheres.
4. — Reutilizar ou consertar ao invés de comprar um novo. Esse é um desafio que me propus recentemente. É difícil porque muitas vezes é mais fácil e barato comprar um novo do que consertar. Estou para remendar umas roupas, mas ainda não comprei o material.
5 — Criar para resistir e existir. Escrever, desenhar, pintar, criar algo único para compensar as coisas repetidas — produzidas em série — que existem no mundo. A cada Amuleto Criativo, minhas energias são renovadas.
6 — Não ter vergonha de sabotar grandes corporações. Sabia que dá para colocar livros de fora da Amazon no Kindle?
7 — A Sônia Guajajara como Ministra dos Povos indígenas.
O que te inspira a seguir otimista?
Até o próximo domingo,
Tássia Rebelo 💖
Krenak também renova minha esperança na humanidade ❤
aproveito para indicar um livro que gosto muito, "Descolonizar o imaginário", da Editora Elefante. Lembrei muito dele lendo o seu necessário texto!