São Paulo, 24 de janeiro de 2021.
A rua estava escura, só tinha a luzinha do sinal vermelho. O caminho estava fechado para qualquer carro. Mas, nem precisava, não havia nenhum àquela hora. Atravessei apressada, como atravessamos qualquer rua por aqui, sempre com medo dos carros que aceleram do nada. É que os motoristas, distraídos pelas notificações dos seus celulares, se assustam quando olham para frente.
MAS É CLARO
Um carro surgiu das profundezas do piche como se a rua fosse um rio denso e negro. Não deu tempo de entender se o asfalto tinha amolecido como caramelo ou se tinha uma rampa escondida, como uma passagem secreta para um submundo. O carro enorme (de que cor?) passou voando pelas minhas costas, quente (e me deu um calafrio). Se não fosse pelos meus passos sempre acelerados ao atravessar qualquer rua, teria me arrastado ou me transformado num tazo.
As sinapses entre os meus olhos e o meu cérebro foram mais rápidas do que o carro, mas eu precisava de câmera lenta para processar o que vi com os olhos e todas as minhas células.
Não sei para onde foi: nem o carro e nem a abertura do asfalto. Entrei em casa quase correndo, não olhei para trás, não chequei se o concreto agora estava no lugar.
Tentava reconstruir o que eu tinha presenciado, visto, sentido, ouvido. Lembrei das vezes em que dirigi à noite e tive ilusões de ótica. Sabe quando parece que o carro na pista ao lado está vindo na sua direção e você acha que vai bater de frente? Essa é a sensação mais parecida que tenho no meu repertório para tentar decifrar o que aconteceu.
Depois de dez dias, dez meses ou dez anos, não tenho certeza, talvez, dez minutos: entrei no banho. A luz do banheiro quicou e eu gelei. Olhei para o chão como se ele fosse se abrir também. Foi só a lâmpada do banheiro que falhou, a água do chuveiro ainda estava quente, cozinhando a minha mistura de medo e curiosidade.
Fiquei obcecada.
Mudei minha cama de lugar para poder vigiar a rua à noite e flagrar de novo aquela cena.
De dia, quando o sol fritava o asfalto e tremelicava os átomos rente à superfície, eu encarava o concreto com ódio. Desafiava-o a se abrir de novo ali, na frente de todo mundo. O que escondia? Quem escondia? De quem? O que raios havia dentro da minha cabeça ou daquela rua?
Tássia Rebelo
🥂🍩
eu ia escrever sobre a coragem de se expor, de dizer eu te amo primeiro, sem saber o que vem depois (como disse Brené Brown). Ao invés disso, trouxe um texto escrito num ímpeto imaginativo, um pedaço de história que estava guardada.
quis me expor para lembrar de que sempre vai ter alguém jogando tomate e alguém jogando confete (e um monte de gente não dando a mínima). Mas acho que essa ainda é a melhor forma de encontrar duas coisas que super importam: a minha verdade e a minha turma. E é também um incentivo à autenticidade.
e, se me permitirem, recomendo umas gotas de vulnerabilidade no café.
bom domingo e até mais !
ah! e se você chegou até aqui, tenho duas coisas para dizer: a primeira é, obrigada. E a segunda, é para você responder a este email com seu nome e endereço completo para receber uma surpresinha <3
que ímpeto maravilhoso! adorei o fluxo narrativo <3 brigada eu haha olha, no momento (rs) meu endereço é rua neusta pierre, 268, apto 101 - jardim atlântico, olinda