Hoje encontrei um recado que dizia “sinta o que você está sentindo”. Escrevi para mim mesma no passado — duas semanas atrás, se não me engano.
Sempre teve essa mania feia de mentir. Mente para si mesma como ninguém e é geralmente essa a mentira que consegue passar para frente. Ela é garfo, mas se convence de que dá conta da sopa. Sente o desconforto e disfarça com uma massagem, um meme que faz chorar de rir ou uma comidinha gostosa do delivery. Muda de foco e foge do sentimento. Disfarça, tenta ver com outros olhos, até que consegue espetar um pedaço de cenoura na sopa de legumes! Fica toda-toda e volta para mais um prato fundo amanhã. Reza para ser um creme de abóbora, e quando recebe um caldo e se desespera — falha miseravelmente.
Teimosa. Não admite que não quer, não gosta, não sente vontade, não se interessa — tem medo de perder o que está sendo oferecido. É como se cada porta que se abrisse fosse a última e a única do universo. Não sabe esperar. Ao invés de pegar apenas o que quer do fundo do coração, leva o que não precisa e se sobrecarrega.
Morria de inveja das meninas do colégio que eram “cheias de vontade” — os outros pais falavam mal: “parecem capachos, fazem tudo que lhes pedem”. Seja lá como fosse, quem teve tantas vontades materializadas provavelmente aprendeu a se permitir e sentir exatamente o que se sente. Para não ficar sempre triste e frustrada, ela também falava mal das próprias vontades — frívolas, desnecessárias, coisa de gente mimada. Melhor sonhar baixo, sem incomodar ninguém e não dar despesas. Foi nessa época que ficou boa com as lâminas — cortava pedaços de si para caber no universo possível.
Mas eles se recuperam.
Os pedaços deixados por aí se reúnem num sindicato barulhento e desorganizado, incomodam como gremlins. Ela sabe que um deles ressurgiu quando os sapatos que usava todo dia começam a apertar os calos. De um tempo para cá, eles, os gremlins, estão danados. Ela já teve que pedir demissão de três empregos em dois anos. O último foi ontem.
Fico entre a cruz de ser feliz com o que me tornei e a espada que me corta as asas.
Estou pronta para uma briga feia com as mensagens marqueteiras e as crenças limitantes, não quero nem uma, nem outra. As duas conhecem o meu passado, meus traumas, sabem de onde vim e tudo que eu nunca tive. Sabem até o que eu queria, mas fingia não querer. Juntas, elas criam um mundo fantástico, mesmo sabendo que não tenho autoestima suficiente. Nunca vou me imaginar no lugar da Natalie Portman no comercial de perfume. Mas elas não querem que eu me sinta linda & elegante — preferem a minha vergonha de não ser. Compro o perfume caro, como um pedacinho do céu — o medo é maior que a coragem.
Até que basta.
Pré-lançamento
Feminismo, bruxaria, desobediência feminina, tarô e poções mágicas — quero convidar todas vocês para conhecer meu novo projeto: Hex the Patriarchy — aqui no Substack, e também no Instagram. HTP é um misto das coisas que amo, acredito e não consigo mais evitar.
Tarô
Estou com duas vagas para leitura de tarô gratuita em agosto — se você tiver interesse, pode entrar em contato mesmo se você não é apoiadora do Brunch. Aqui tem as informações.
Oficina de escrita
Quem se interessa por escrita e quer saber mais sobre processos criativos, recomendo se juntar com a Ana Margonato do Cartas para o amanhã. Ana é uma das pessoas mais sensíveis que já conheci, tenho certeza que as oficinas serão preciosíssimas — eu provavelmente estarei em algum dos encontros, só preciso acertar o horário.
"cortava pedaços de si para caber no universo possível." - que coisa mais linda!
força, querida :) e vida longa ao novo projeto! já assinei ❤️