Quando terminei de ler Depois de tudo, queime (Luciana Borges), ouvi o episódio do Bom dia, Obvious com a Valeska Zanello. O livro conta histórias de encontros que começaram com um match num aplicativo de paquera e o podcast fala da metáfora da prateleira do amor. Os dois juntos me ajudaram a entender a frase de Valeska que ficou famosa nas redes sociais:
“homens aprendem a amar muitas coisas e mulheres aprendem a amar os homens”.
Prateleira do amor
Uma vez ouvi que pessoas baixinhas têm vantagem no supermercado porque conseguem ver melhor o que tem nas prateleiras mais baixas, onde ficam os produtos mais baratos. É verdade, aqueles molhos de tomate com embalagem de plástico ficam perto do chão; e os potes de vidro ficam mais para cima, na altura dos nossos olhos.
Na prateleira do amor de Valeska Zanello (psicóloga e filósofa) é parecido: as mulheres mais brancas, loiras, magras e jovens ficam nas melhores posições para serem escolhidas. Ela explica que nós, mulheres brasileiras, somos socializadas para sermos escolhidas por um homem e é por isso que estamos sempre checando o status: casou? tá namorando? e os contatinhos?
Estamos sentadas na prateleira esperando que um homem nos escolha, como um molho de tomate. Os homens escolhem segundo os critérios que aprenderam com o patriarcado (muitas vezes na pornografia) e quanto mais branca, loira, magra e jovem, melhor.
Depois de tudo, queime conta o que vem depois: primeiro, somos escolhidas na prateleira virtual dos aplicativos de paquera (uhu! deu match!). Depois, vem a expectativa de que façamos o date “dar certo” e, por fim, o quanto nos esforçamos para agradar homens que fazem só o mínimo. Tipo chegar no horário marcado.
Lucy nos leva para encontros divertidos e outros nem tanto. Tem homem que acha que match é um sinal verde para invadir o nosso espaço mesmo quando a gente diz não (um clássico da assimetria dos relacionamentos heterossexuais). Tem homem que usa o match para se aventurar e repensar o casamento em crise. Tem um date catastrófico no cinema que fiquei aqui me perguntando se não era o mesmo cara horroroso que enfiou o celular na minha bolsa para garantir que eu ia ligar para ele no dia seguinte.
Mas também tem histórias ótimas que fazem a gente voltar a acreditar nos encontros. Torci por uma longa história de amor e, ao mesmo tempo, me perguntei por que desejo por finais felizes. Sempre atenta.
Ainda assim, a viagem é uma delícia: vamos para um piquenique no Champ de Mars, em Paris; passeamos pelas ruas de Barcelona e viajamos de carro pela América do Sul. No caminho, dá para lembrar de todas as vezes que nos preocupamos em agradar homens, mesmo os que nos incomodam e principalmente os que nos assustam.
“homens aprendem a amar muitas coisas e mulheres aprendem a amar os homens”.
Na certeza de que serão amados como são, os homens acreditam só precisam nos escolher e topar um relacionamento. E as mulheres sabem quem são as responsáveis por manter o relacionamento (segurar o homem). E daí desprenderem energia para resolver qualquer problema.
Lembrei do namorado de uma amiga que não queria papo com a família dela e todo mundo aceitava e se organizava de um jeito que o cara não se sentisse incomodado (se fosse o oposto, aceitariam?). Ah, e como esquecer de quando meu pai perdia a algo em casa e eu, minha mãe e minha irmã começávamos uma força-tarefa para encontrar o objeto perdido.
Como sempre: nem todo homem. Porém, é visível como eles aprendem se priorizar e não ficam tentando amenizar uma situação ou agradar para serem aceitos e é a gente que fica passando o pano: ele é mais bonito pessoalmente, juro!
A culpa foi minha, porque mudei de ideia em cima da hora, por isso que ele ficou bravo. O futebol dele é sagrado.
É que ele tá com problemas no trabalho.
Sabe como é, ele nunca teve um bom relacionamento com a família (mas tem um bom coração).
É que ele não teve acesso a esse tipo de conteúdo, amiga.
É o jeito dele, na casa dele é assim, ele não faz por mal.
É que homem não se importa com essas coisas mesmo.
E nós, que amamos os homens, damos um jeito de aceitar e de agradar, ignorando que muitos deles são apenas pessoas horríveis.
É libertador aceitar que muitos dos homens que me tiraram da prateleira eram egoístas, mal-educados, descuidados, desinteressantes. Perdi meu tempo com eles, tentando ajustar o universo para que o relacionamento funcionasse. Agora, me arrependo do fundo do coração e espero que outras mulheres não percam energia e tempo de vida como eu perdi.
Aliás, o tempo só não foi completamente perdido porque posso contar para vocês que não valeu a pena. Como diz Valeska Zanello, era um perebado maldito.
Se quiser saber mais sobre a pesquisa que usei para escrever este texto, clique aqui.
Até a próxima,
Tássia
amei as reflexões que você trouxe, Tássia! ainda não comecei a ler "mulheres que correm com os lobos", mas vou tentar começar nessa semana, e fiquei com muita vontade de ler também o "depois de tudo, queime" <3