às vezes, eu acabo contando para as pessoas que eu nasci numa cidade chamada Itacoatiara, no Amazonas. Mas em geral eu deixo que pensem que eu sou pernambucana, porque foi em Pernambuco onde eu morei mais tempo até hoje. E quando eu encontro alguém com sotaque do norte ou do nordeste fico feliz, me identifico, embora eu não pareça nem uma coisa nem outra. Culpa desses anos todos me adaptando em SP.
Helsinki, 28 de novembro de 2021.
Li uma frase que dizia:
🪴 bloom where your are planted
quer dizer “floresça onde você está plantada” e é sobre aproveitar o que tem ao seu alcance, no presente, para conquistar o que deseja. Eu, sem raízes que sou, fiquei pensativa. Minhas raízes passeiam, cada hora estou plantada em um lugar diferente. Pensei nas pessoas que tem raízes firmadas, como tantas amigas pernambucanas que sentem saudade das suas voinhas.
Sempre fui debandada, vivi longe, não me apeguei, não sei dizer o nome de uma pessoa da família que tenho algum tipo de admiração - com exceção de um mini núcleo lá em Brasília. Quando falo de família, em geral, estou falando de duas pessoas: minha mãe e a minha irmã. Tive pai até os 21 anos, mas ele morreu.
Ano passado, minha avó materna morreu também. E aí - segura esse clichê - eu percebi que queria ter sido mais próxima dela. Ela morava lá em Itacoatiara e eu fui uma criança que vivia na casa da vó só até os cinco anos. Com essa idade, mudei de estado e só fui ver minha vozinha de novo muito tempo depois. Uma vida inteira de distância deixou tudo muito longe. Ela lembrava de mim como uma criança, provavelmente. Adulta, eu não lembrava dela direito, infelizmente. Engraçado como o amor nunca precisou de nada, nesse caso.
Depois.
Muito depois, comecei a reconhecer um pouco das coisas que ouvi sobre ela em mim. Ela era muito mais talentosa, generosa e intuitiva, é claro. Sabedoria é saber das coisas sem precisar do google.
Minha avó tinha um jardim mágico com mais plantas do que eu sei nomear. Flores, ervas, frutas. Sempre amei a ideia daquele jardim, embora tenha visto tão poucas vezes. Como eu queria ter aprendido tudo sobre aquelas plantas com ela.
E agora? Será que posso me lembrar dela olhando para mim? Será que herdei algo dela? Tento descobrir me aceitando sem disfarces. Sem vergonha das minhas origens e das coisas que enchem meus olhos miúdos, como os dela. Aliás, acho que foi ela quem me ensinou a sorrir com os olhos.
Lembro dela pelas minhas bochechas, pelo o meu quadril largo e pelas minhas pernas curtas. Lembro dela quando vejo as minhas mãos idênticas às da minha mãe que nem sei são parecidas com as delas. E pelo o tom de oliva da minha pele.
Outro dia sonhei que ela estava me ensinando alguma coisa, talvez um truque para deixar roupas mais cheirosas e ouvi a voz dela bem direitinho - pena que o despertador me acordou. Foi tão bom ouvir aquela voz leve cheia de sotaque do interior. Um jeitinho tão calmo e doce ela tinha.
Ano passado, meu primo Isaac fez esse vídeo do jardim dela que é um presente para a nossa memória.
Quando olhar no espelho, quero me ver sem nenhum filtro. Quem sabe assim, me encontro com ela de novo.