Helsinki, 11 de outubro de 2020
Estava caindo uma chuva perfeita para embalar o sono, mas eu ainda estava ligada no 220V às 2h39 da segunda-feira depois de assistir Revolutionary Road (disponível no Netflix nesta data). O filme tem a Kate Winslet e o DiCaprio como um casal e nós estávamos torcendo pela cena do vidro do carro embaçado, igual no Titanic.
(juro que não vou contar o final do filme)
Revolutionary Road conta a história da vida não tão perfeita assim da família Wheelers. Quem olha de longe vê um casal perfeito, uma casa bonita, dois filhos e bons amigos. Mas, apertando um pouco os olhos dá para perceber que não são tão felizes assim. A esposa, April (Kate Winslet), percebe essa felicidade de meia tigela e propõe mudanças para buscarem juntos uma vida feliz de verdade, sem ligar tanto para o que as pessoas pensam.
E é aí que começa.
Como abandonar o trabalho chato que achata nossas expressões mágicas, intelectuais e artísticas mas que paga boletos em dia e ainda atende às expectativas da vizinhança? E se o chefe descobre que estamos querendo bater nossas asinhas e oferece um monte de dinheiro para amarrar nosso pé na mesa? A gente fica? Com dinheiro dá para viajar, né?
Can’t leave, can’t stay.
April despertou (a sua mulher selvagem, para quem é de lobos) mas está aprisionada à vida doméstica e alguém trancou a porta. Discussões infinitas em círculos. Às vezes gritam, mas não conseguem se ouvir. Estão fora de sintonia. E não é porque o amor acabou. É porque ela não está mais ali e precisa sair, precisa ser outra. Há quem diga que é possível mudar sem sair, mas, às vezes, a gente sente que é impossível ficar. E ela diz: can’t leave, can’t stay (não posso ir embora, não posso ficar). Te entendo, April.
Lembrei de uma conversa que tive há uns anos com uma amiga que passou por um divórcio desses que quem vê de fora não entende: namoro de anos, casamento lindo e bebê recém nascido. De fora, parece loucura sair. De dentro, loucura ficar. Falamos sobre essa sensação de estar encurralada, sem saída e sobre como leva algum tempo até que a gente encontre a saída e a certeza absoluta que queremos atravessar essa ponte. Concluímos que, mesmo sem placa indicando o caminho, uma hora a gente só sabe e não tem mais volta. A gente dá um jeito.
Não é sobre largar tudo. É sobre abraçar bem forte a mulher que queremos ser. E não ignorar que de repente tem tanta coisa sem sentido a nossa volta. É sobre acolher esse momento que fica quase fácil dizer não (e sim para nós mesmas).
A vida de repente fica clara, mas profunda. Dá medo de se afogar, eu bem que sei.
Desejo que a gente mergulhe, por mais assustador que seja. É duro aceitar que a felicidade pode não ser aquela óbvia, vai parecer ingratidão. E - não vou mentir - é difícil de entender e mais ainda de aceitar. Vai doer, mas você vai amar o que tem do outro lado: você mesma em busca da sua verdade. E - nhanossasinhora - como isso é prazeroso de viver. Dá vontade de morder a vida e lamber os dedos.
Se quiser cutucar um pouquinho isso aí dentro, recomendo o Revolutionary Road.
Se quiser cutucar muitão, vai de Clarissa Pinkola Estés.
Bom domingo e até semana que vem.
tass
P.s.: evitei o nome do filme em português porque é quase um spoiler.
Quantas vezes eu repeti essa frase para mim mesma? Sempre há um motivo para impossibilitar nossas mudanças.
Estou amando seus textos, e me identificando super. Adorei a dica do filme, já quero assistir :)