No meu primeiro inverno aqui em Helsinki (ano passado), meu corpo ardia — literalmente. Fiquei doente, fui na minha médica, fiz um monte de exames e nunca dava nada. Eu meditava e dizia pro meu corpo que estava tudo bem. E o meu corpo me dizia que não estava gostando, não se sentia seguro num lugar onde ele pode morrer de frio com tanta facilidade. Cheguei a pensar (por poucos minutos) que era um castigo por ter saído do Brasil e que tinha que voltar.
E ainda tinha a tal da seasonal affective disorder (SAD), que ninguém gosta muito de falar. Os dias escuros (noite — nublado — noite) causam alterações químicas no nosso cérebro e a melatonina, hormônio que embala o sono, fica bombando. De novembro a março, toda hora é hora de dormir. E aí a vida passa a ser um grande amontoado de sacrifício de sono.
Mas água não bate na pedra dura, ela flui pelas brechas. Nas brechas, a vida se forma e — aos poucos, mas consistentemente — estou aprendendo a fluir.
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Quem sai do automático se perde
Acabou o papel, fui no mercado, rapidinho. Pelo caminho de sempre, celular e chave no bolso do casaco. Passei pela porta automática, peguei o papel, paguei com o celular, agradeci e falei que não precisava do recibo sem tirar os fones do ouvido. No automático. Nem olhei pra cara da pessoa que me atendeu. Isso me causou um mini mal estar e aí eu resolvi contornar o quarteirão pelo outro lado, dar uma voltinha pra sair do modo automático.
A cidade está um grande refrigerador a céu aberto. Que frio.
Segui em frente, depois virei a esquerda, depois esquerda de novo e de novo. Mas, espera aí. Esqueci de prestar atenção no caminho, no céu, nas pessoas, na calçada, nas lojas. Quando levantei a cabeça e olhei em volta, não reconheci a rua.
A calçada era diferente, bem mais estreita. Mais a frente, do lado direito dessa mesma rua, tinha uma parque meio inclinado, com algumas árvores, um caminho calçado entre elas e três bancos na parte mais alta.
Olhei pra trás, apertando os olhos para enxergar mais longe e entender onde eu tinha errado. Talvez eu tenha atravessado uma rua sem querer, ao invés de dobrar à esquerda. Só não sei se errei na primeira, na segunda ou na terceira esquina.
Mesmo assim, voltei, tentando desfazer o caminho como quem desmancha uma meia de tricô. E nada.
No modo manual, o robô fica atrapalhado.
Não sei o que me trouxe até aqui. Não foi necessariamente o dinheiro, mas talvez o hype ou as influências que encontrei pelo caminho. Ou talvez tenham sido as portas que se abriram e, sabe como é, uma coisa vai puxando a outra.
Fiz 34 mas parece que ainda tenho 13 anos e estou no meu quarto ouvindo aquela fita K7 que tem Goo goo dolls, Silverchair e vinhetas da Rádio Cidade. Gravei a fita lá no quartinho dos fundos que é mal assombrado mas, sintoniza na 95,9 MHz.
Tinha uma vista bonita na janela — parecia uma montanha, se tivessem montanhas naquela cidade. E eu ouvia essa fita, chorava por nenhuma razão, comia passatempo e escrevia crônicas dramáticas sobre como as coisas não faziam muito sentido, principalmente naquele domingo de tédio.
Certas coisas nunca mudam.
Continua aqui.
O cuidado e o carinho levam a mulher de um lugar para outro. Eles são como cereais matinais psíquicos”. Clarissa Pinkola Estés
Se você leu até aqui, obrigada por ser meu cereal matinal psíquico.
Um beijo & até mais!
Tássia