Estou com a sensação de que não tenho mais nada dizer aqui no Brunch, mas estive em Portugal pela primeira vez. E, sabe como é, brasileiro não vai lá pra passar batido. Fui reparar mesmo, passar o dedo em cada cantinho. Mais curiosa com o comportamento das pessoas e a cultura do que com os castelos, monumentos e outros charmes portugueses. Meu primeiro contato foi na Baixa do Chiado, cheguei pelo metrô e me senti no Recife Antigo. É realmente muito parecido, porém mais internacional. Todo mundo falou comigo em inglês e algumas pessoas nem falavam o idioma local.
Vi uma mulher com um saco gigantesco de pão de francês, isso é bom. Tem coxinha e tapioca. Ouvi duas portuguesas falando sobre uma “brasileira” que acabou de chegar no escritório. Uma delas, escarrou na rua e eu lembrei de como nas nossas fantasias estereotipadas o português é sujo e mal-educado, impossível não associar, mas expulsei o pensamento preconceituoso.
Dá para entender o que eles dizem, mas a gente se confunde. No café, o atendente disse “seria tudo?” depois que fiz meu pedido e eu achei engraçado, mas não entendi. Ele não gostou muito, repetiu. Quando entendi, confirmei que sim. Só isso mesmo, moço. Pode falar moço? Eu sei que moça não pode, é xingamento, mas deixei escapar várias vezes. Ainda na Baixa, fui na Praça do Comércio, achei bonita e me lembrou ainda mais o Recife. Vendedores ambulantes jogando aquela luzinha azul para o alto, um brinquedo para crianças que chamam de helicóptero. Ah! E não posso deixar de comentar: no centro da praça, uma dúzia de gatos-pingados penduravam bandeiras do Brasil e placas de “Lula na prisão”. A doença bolsonarista ainda circula, mas D. José I não estava incomodado.
No segundo dia, fui bater Lisboa de cabo a rabo num transporte turístico. Um casal de brasileiros puxou assunto comigo, perguntei de onde eram e me disseram que eram de São Paulo, mas moravam há muitos anos em Brasília. O assunto foi logo para o sotaque e a mulher tratou de dizer que os filhos falam “oxe” e as amigas de São Paulo comentam que é feio, coisa de nordestino. Disse a ela que Brasília foi construída por nordestinos como eu, que não nasci, mas passei minha vida entre Pernambuco e o Rio Grande do Norte. Mais tarde, um nordestino gente finíssima me atendeu na Casa Portuguesa Pastel Bacalhau. Ele me disse que a vida vai muito bem, está quitando um apartamento no Rio de Janeiro. Recentemente, esteve no Brasil e me contou orgulhoso que refez o piso do imóvel. Oxe, que coisa boa!
Eu já ouvi falar muito mal de Portugal. Mais de uma pessoa já me falou que é um país atrasado, como a Itália. O apego ao dinheiro em vivo denuncia. Eles ficam esperando você contar as notas ou se fazem de desentendidos quando percebem que você quer pagar com cartão. Num bar-livraria, senti a decepção quando apontei o celular para maquininha. Precisei sacar dinheiro, as pessoas gostam de papel por aqui.
Perto da Torre de Belém, entrei numa lojinha de artesanato local. Tudo feito aqui. A moça rapariga me contou mostrou trabalhos feitos com chita. Segundo ela, originalmente portuguesa, mas não é verdade. A ideia de estampar algodão surgiu na Índia medieval. Portugal achou bonito e trouxe para a Europa no século XV. Ela também me mostrou artefactos feitos de cortiça portuguesa, original, das camadas do sobreiro. Leve, flexível, impermeável. Não sabia disso, aprendi. Depois, me encantei com sabonetinhos perfumados — falei para ela que ia levar porque me lembravam a Granado, farmácia Oficial da Família Imperial Brasileira que tem uma loja bonita na Baixa. Por fim, a mulher me ofereceu saquinhos perfumados para colocar na gaveta — achei que era coisa da minha avó, mas pelo jeito isso veio daqui.
Estranha a sensação de descobrir a fonte do nosso passado. Portugal se parece muito com o Brasil, ou somos nós a cara de Portugal.
Até mais!
Tássia
Que gostoso esse texto. Quando visitei Lisboa também fiquei reparando essas pistas de onde vinham detalhes aqui de São Paulo. Tem até várias ruas com nomes iguais, como a Augusta. Lembro de ficar encantado que nas livrarias a divisão não era feita entre "literatura nacional" e "literatura estrangeira", como aqui no Brasil, e sim entre "Literatura lusófona", onde Saramago e Jorge Amado dividem prateleira, e "Literatura traduzida".