Lembro mais da capela do que da biblioteca do colégio. Recordo de cada pedacinho, da vista bonita pela janela alta. Já fui ali atrás da cortina sagrada e mexi em tudo. Na caixinha de cristo, nas velas, no cálice e no paninho que vai por cima. Quando estava entediada, pedia para ir à capela. Ficava lá de joelhos rezando para a aula acabar, ou para o meu pai nunca mais beber. Às vezes, uma das freiras aparecia para conversar. Depois, me levava na salinha da moça que fazia xerox e me oferecia chá de capim-santo no copo de plástico. Com açúcar. Quando estava com cólica, elas também me davam esse chá. Nunca reclamei.
Da biblioteca, só lembro da porta de madeira e do banco do lado de fora. Consigo me ver de fora sentada no banco de madeira para a acolhida do primeiro dia de aula. Era agosto ou setembro quando comecei a estudar nesse colégio. As tias organizavam as crianças na área em frente a biblioteca para rezar o Pai Nosso e a Ave Maria e ouvir uma mensagem religiosa. Eu não sabia rezar e a minha mãe fez a cola das duas orações. Lembro bem do papel azul-claro e da letra bonita.
Numa feirinha de ciências, a biblioteca virou uma pista de dança. É que a primeira metade tinha umas mesas para estudar e a outra — onde ficavam os livros — era fechada, não tínhamos acesso às prateleiras. Foi só afastar as mesas e tocar Ana Júlia, dos Los Hermanos. O grupo falava sobre a história da música, antes de apagar as luzes e aumentar o som. Essa foi minha primeira e única matinê.
Mesmo lendo muito pouco, escrevi um conto sobre uma menina que discordava do mundo e queria ser ouvida. Não lembro da história, só da sensação de “tenho algo muito importante a dizer” clássica da adolescência. Uma necessidade genuína, não zombo. Para ser lida, mostrei o texto para minha família. Sempre entendi que o texto é vivo na leitura, no outro. Meu pai até prometeu publicar de forma independente, assim que eu tivesse um livro.
Mas o caminho não foi como eu imaginei. Deixei de escrever por anos, até perceber que isso me quebra. Minhas células gostam mais de palavras do que de chá de capim-santo. É por isso que a escrita é a matéria-prima das ideias que assopram no meu ouvido. Bem ou mal, escrevo e seguirei escrevendo. Mais por necessidade do que por talento. Meu lugar na escrita é quase espiritual, um bálsamo para minhas antepassadas que, às vezes, falam comigo pelas paredes grossas das igrejas. Provocam coceira na ponta dos meus dedos.
Ainda assim, sofro para mexer nas feridas abertas, mesmo quando as palavras imploram. Trepido antes de publicar o que me doeu escrever, porque não quero mais falar. No entanto, se o texto se formou, respeito. Se já saiu de mim, talvez alguém precise daquelas palavras. Pretensão? Pode ser. Porém, confio na magia da escrita. Se as palavras se costuraram, é porque era para ser. Não é assim todo dia, só de vez em quando.
Há dias de leveza também, em que as palavras são peças coloridas de um quebra-cabeça. Brinco com elas. Parque de diversões. É onde eu gostaria de ir e ficar para sempre. Histórias felizes, casquinha de sorvete crocante, calda de caramelo, sol brilhante, mar azul e a minha música preferida tocando. Um barquinho à vela lá longe, um pote de morangos, água de coco, óculos de sol. Pedalar de vestido e uma sandália confortável. No final da tarde, vestir um cardigã porque esfriou e a gente vai ver o pôr do sol.
Oi Tássia! Poderíamos entrar em contato mais privado para você me dar umas dicas de como manejar o remo aqui no substack? Também estou querendo colocar a opção paga, com meu livro que tenho em PDF...
Grande abraço!
Comecei um substak há pouco tempo e estou encontrando outros para seguir. Gostei muito da sua escrita leve e despretensiosa. As vezes eu fico paranoica que as coisas que escrevo deveriam estar mais poéticas. Este seu texto me inspirou. Vou pegar um chá aqui e começar a digitar o que me vier na cabeça. Brigada ;)