Helsinki, 12 de setembro de 2021
eu terminei de ler a história divertida e estranha de Meu ano de descanso e relaxamento, escrita pela Ottessa Moshfegh. Para quem nunca ouviu falar do livro, é a história de uma jovem adulta desgastada por uma vida estressante em Nova York. Sabe quando você sente que está vivendo no automático? É isso. E aí ela tem a maravilhosa ideia de dormir por um ano para acordar revigorada e dar a volta por cima. Para hibernar, ela usa uma quantidade assustadora de psicotrópicos receitados por uma psiquiatra irresponsável - e meio maluquinha - que passa vários remédios em consultas rápidas, rasas e sem sentido (quem tem plano de saúde deve saber mais ou menos como é).
o livro foi escrito em 2018, mas a história começa mais ou menos um ano antes do 11 de setembro de 2001. É fútil e mórbido ao mesmo tempo, talvez por isso ler durante a pandemia me incomodou como as borrifadas de positividade tóxica que misturavam espiritualidade e cura para covid-19. Enquanto o vírus matava as pessoas lá fora (quem pode), correu para dentro de casa e continuou fazendo as coisas de antes. Quem não teve a mesma oportunidade, se virou lá fora. Sempre imagino um extraterrestre vendo o que a gente fez e me pergunto se foi muito ridículo, ou se as pessoas que se solidarizaram para salvar tantas vidas foram suficientes para representar toda a humanidade.
se um extraterrestre estiver lendo isso, por favor, me responda: você vê os seres humanos como solidários ou egoístas bobinhos recebendo comprinhas da Amazon pelos correios a cada dois ou três dias?
a gente cria conexões profundas com coisas rasas para viver bem, né? Alienação, sapatos novos, psicotrópicos, chapadinha de endorfina e filmes bobos: nossos bálsamos. Como brasileira, eu sentia que o mais importante era sobreviver ao caos de um desgoverno apoiado por zumbis anti-vida. E daí o que os Ets vão pensar, né?
I suppose a part of me wished that when I put my key in the door, it would magically open into a different apartment, a different life, a place so bright with joy and excitement that I’d be temporarily blinded when I first saw it.
Suponho que uma parte de mim desejou que, quando eu colocasse minha chave na porta, ela se abrisse magicamente em um apartamento diferente, uma vida diferente, um lugar tão brilhante de alegria e entusiasmo que eu ficaria temporariamente cega quando o visse pela primeira vez. (em tradução livre)
é esse o sentimento que você vai encontrar em Meu ano de descanso e relaxamento. A escrita é divertida, as cenas são bem desenhadas e as personagens vão te fazer travar um pouco (tela azul reflexiva), rir e, no minuto seguinte, sentir culpa.
ah! Tem um podcast sobre esse livro, que é uma entrevista com a Fabiane Secches que tem essa voz leve e suave que me deixa mais tranquila, mesmo falando sobre um tema super acelerado que é a vida automatizada da nossa geração nas grandes cidades. Dizem que viver no automático aumenta o sofrimento, o que você acha?
Queria ler um livro assim
depois desse chiclete ácido da Ottessa, queria ler algo mais leve, uma história doce talvez, mas com uma pegada de fantasia, só que ambientada em lugares conhecidos, como um apartamento ou um restaurante tailandês, quem sabe.
Queria uma história mais ou menos assim:
estava assistindo De volta para o futuro antes de dormir porque filmes antigos sempre dão sono, especialmente os que têm algum efeito especial tosco para o nosso olhar moderno que já viu de tudo. Sabe aquela cena no passado quando a mãe do McFly aperta a coxa dele por baixo da mesa para demonstrar interesse porque ela não sabe que ele é filho dela? Pois é. Depois que o McFly se assustou, eu me assustei com a tomada de trás do sofá que começou a pipocar em um mini-curto-circuito.
me estiquei para tentar entender o que tinha acontecido. O Max, meu cachorro, dormia profundamente e nem se mexeu. Chamei o meu namorado, mas nessa história não tem namorado.
pausei o filme, e como estava escuro, farejei o ar à procura de cheiro de queimado e chequei se a conexão com a internet estava funcionando. Internet ok, mas o cheiro estava estranho. Plástico derretido? Cabelo queimado? A luz piscou? Talvez tenha piscado. Achei melhor acender todas as luzes da casa porque estou começando a ficar com medo. Já deixei até um vídeo rolando no Youtube para parecer que tem alguém comigo.
ontem à noite, eu li um conto de terror do Anthony Horowitz que tem uma mensagem de um assassino falando que vai matar as pessoas que leram o conto. Eu sei que isso é brega hoje em dia e o conto foi publicado em 1999, mas sei lá.
o cheiro estranho continua no ar e talvez seja parecido com o cheiro de quando o café pinga na cafeteira quente e queima, sabe? Não gosto desse cheiro.
o vídeo travou. A internet morreu. E agora?
um barulho estranho no banheiro. Cutuquei o Max para ele ir comigo.
o chuveiro caiu da parede e quase desceu pelo ralo que está completamente aberto e iluminado. Me segurei no box para olhar dentro dele com um certo receio de ser sugada por toda aquela luz. Não sabia que o meu ralo era tão profundo. Parece que estou olhando pela janela de um avião e pelo tamanho das casinhas lá embaixo, é como se eu estivesse a sei lá quantos pés de altura. E agora, onde foi parar a tampa?
óculos escuros resolvem tanta coisa, né?
dá para fingir que não tá vendo alguma coisa ou para paquerar o sapato das pessoas sem parecer muito estranha. Ou dormir sem que ninguém perceba - ainda mais se você estiver segurando um livro.
eu fico muito mais confiante de óculos escuros, principalmente porque a minha cara de recém-nascida ao acordar é implacável, não importa se eu dormi nove horas ou nove minutos.
bom domingo e até a próxima! ✨🥑
A personagem do livro me lembrou aquela moça da banquinha de cigarros no Café da Amelie Poulain.