A malandragem da energia psíquica
Sobre ter clareza para driblar as mini ciladas provocam a sensação de que viver é desconfortável.
Ouça Beradêro, caso nunca tenha ouvido.
Depois de uma tarde bonita, desabei em tristeza. Tristeza sem explicação, até ri de mim mesma, enquanto as lágrimas caíam. Essa é uma sensação engraçada que tenho experimentado faz uns poucos anos. Esfreguei os olhos e corri na imaginação pelas conversas que acabei de ter, pelas taças de vinho, ao redor dos queijinhos cortados. Não encontrei gatilho, estava tudo certo. Os olhos tristes da fita rodando no gravador, uma moça cosendo roupa com a linha do Equador. Aos domingos, essa música toca automaticamente, no fundo da minha cabeça.
Culpo o excesso de Instagram que me leva à cobrança de “aproveitar a vida” — viajar, sair, divertir, conhecer pessoas, conversar com pessoas. Tirar foto do Aperol Spritz e do sorvete colorido. Essas coisas que parecem sempre muito legais, mas que nem sempre é o que a minha alma precisa. Quando chega em casa, ela faz cara feia, birra, chora, aperta minha cabeça. Mas é que eu me sinto frustrada. Parece que todo mundo aproveita mais a vida do que eu. Conseguem ler mais livros, comprar um carro novo, apartamento, festa de casamento. Sinto a pressão e construo o desejo em volta.
Às vezes, parece até que eu quero. Genuinamente. Sem tirar foto. Mas não é sempre. Aliás, recentemente, descobri que essas vontades flutuam. Sobem e descem ao longo do ano. É como se eu corresse rapidamente durante alguns meses e ficasse mais lenta depois, como uma corredora inexperiente que gasta toda a energia nos primeiros quilômetros e perde o ritmo no final. Descanso e volto à trilha recuperada para subir e descer de novo, com a roda da vida.
Segundo Jung, a extroversão é a energia psíquica de fazer mais do que pensar, publicar mais do que escrever, interagir socialmente, se expressar, colocar para fora, correr. E a introversão, é mundo interior, reflexão, busca de significado pessoal, tempo de solitude e contemplação, caminhada. Aqui desse lado do mundo (na Finlândia) é fácil de distinguir a hora de ficar dentro e de ficar fora. Qualquer raio de sol significa hora de sair, de passear, de falar, de confraternizar. E o frio e a escuridão são bons para ficar em casa, acender uma vela, desenhar ou escrever.
Mas a energia psíquica que tem na gente é malandra, lisa, fluida. E é para ela que temos que olhar. Pode ser óbvio demais para quem já sabe respeitar os próprios limites, porém nem sempre é o meu caso, e é por isso que ouço a voz da santa dizendo o que é que eu tô fazendo, cá em cima desse andor.
Tem dias & dias.
Ter facilidade para se relacionar socialmente, não quer dizer gostar de fazer isso o tempo todo. Ser inibida socialmente não tem a ver com passar o ano todo introvertida, tem momentos que a gente se abre mais. Compreender esse limite deve ser a chave secreta para nunca mais voltar para casa com aquela ressaca de ter falado mais do que deveria (ou do que gostaria?). Ou de que preferiria ficado mais quieta, ter prestado mais atenção nas pessoas.
Sou dessas que conversa com facilidade e sei me expressar verbalmente, posso até falar em público. Apesar disso, prefiro a energia da introversão porque é no silêncio onde se cria, se escreve, esculpe. Prefiro explorar o mundo dentro da minha cabeça e criá-lo do lado de fora.
Separar para ter clareza.
Clareza para driblar as mini ciladas que disparam a sensação de que viver é desconfortável. Ou que me confundem, achando que não gosto mais de sair, de dançar, de abraçar pessoas queridas. Puro cortisol em desequilíbrio.
A contenteza do triste
Tristezura do contente
Vozes de faca cortando
Como o riso da serpente.
Tássia, eu me li TODINHA aqui. ♥️
A voz do Chico César mexe lá nas entranhas da memória do coração. Engraçado que fiz um teste voltado para o trabalho e o resultado foi “introvertida” e eu estranhei. Acho que a gente tem fases, tipo ciclo menstrual, tipo a lua. Às vezes expansiva e às vezes retraída. Ver tanta gente concordar me faz pensar que ninguém é igual o tempo todo. 💜