As definições de fracasso foram atualizadas
Já que o ponto G é um mito, vamos descobrir onde que fica o ponto C de coragem.
As definições de fracasso foram atualizadas
Como posso ser tão orientada a falha se nem falhei tanto assim na vida? Meu cérebro foge do que parece que não vai dar certo, como se ideias ousadas não fizessem meu pulso arder. Já que o ponto G é um mito, vamos descobrir onde que fica o ponto C de coragem. Estou precisando. Dois anos atrás, escrevi nesta newsletter sobre a minha incapacidade de sonhar ou de desejar coisas por medo de nunca consegui-las. Só revelo que era um sonho depois que realizo. Faço isso por vergonha ou por ser arrogante demais para me assumir fraca, rasa, pouco determinada. Minto sobre a minha disciplina também, sou mais sortuda do que organizada. E como eu queria confiar na sorte — tenho bons motivos — mas aprendi que é errado e que vai me levar ao fracasso.
Aliás, o que é fracasso para você? Que nenhum coach leia isso, mas acho que preciso atualizar minhas definições. Se as falhas me orientam, como disse ali, isso seria de grande utilidade. Sucesso não está na minha configuração de fábrica. Me configuraram para ser pouco, pequena, falar baixo, não chamar atenção. Quando me pedem para sobre pensar sobre sucesso, meu cérebro fica bugado. Meu manual de instruções diz que sucesso é ser boa moça, casar, ter dois filhos, melhor ainda se for um casal, talvez até ter um bom emprego que não precise ficar tanto tempo fora de casa para aproveitar bem as crianças e o marido. Cuidado! Não virar a tia doida solta pelo mundo, meio desbocada, colorida, artista, que chega atrasada com presentes estranhos na noite de natal.
Meu estômago discorda e a Vani me entende: sou eu contra eu mesma.
Casei um homem que ama filme de terror, quanto mais tenebroso mais ele gosta. Ontem, tentei entender como ele não sente medo enquanto eu fico impressionada até com a bruxa da Branca de Neve. Diz ele que é porque sabe que está vendo um filme, não é realidade. Eu também sei que é um filme, mas não consigo ver assim, pelo lado de fora. Acho que ele entendeu a roda da fortuna do tarô: é centrado em si ao invés de bambolear pelos ciclos da vida. Olha pra dentro, sabe o que quer e espera passar o vendedor de amendoim, ao invés de beliscar a cocada que passou primeiro.
Eu bamboleio. Sigo cansada em direção ao certo, mas quando os letreiros anunciam que está chegando, peço para descer e volto correndo. O coração não deixa ir assim tão longe do desejo. No caminho de volta, as placas me confundem. Às vezes, volto um pouco na direção contrária como se pudesse enganar o coração, mas ele é esperto demais. Hoje, cheguei numa estação central, descalça, com frio. Partes de mim ficaram pelo caminho. Já não sei mais quem eu sou, fiquei fina, porosa. Deve ser por isso que não consigo ver filme de terror sem me proteger com a almofada.
Guarda-roupa
Recentemente voltei a dobrar as camisetas no estilo Marie Kondo. É que tenho pensado sobre o meu guarda-roupa com muita frequência. É que no capitalismo, questionar o que compramos é tão importante quanto exercer nossos deveres de cidadãs. Preocupada com o planeta furioso, pensei até em criar uma roupateca gratuita (na Finlândia?). Mas antes de sugerir algo para o mundo, quis olhar para dentro. Embarquei numa jornada de autodescoberta de consumo e estilo. Afinal, quem eu penso que sou para propor algo? Estou descobrindo.
Compro quase tudo em brechó, depois de marcas pequenas e com menos impacto negativo. Raramente compro coisas novas de marcas grandes. O problema é que nunca consegui conciliar a tentativa de ser uma consumidora consciente com um guarda-roupa que eu gosto. Estou insatisfeita e não uso a maioria do que compro em brechó. Para resolver isso, criei o projeto de R4dical Closet, estou documentando no meu Instagram.
Tecidos orgânicos, tinturas que não danificam a natureza, tecido que capta luz solar, novos formatos de produção e por aí vai. As soluções já existem, mas ainda não acompanham o comportamento de consumo enraizado na nossa sociedade. Mudar o que está na raiz, é dolorido. Os dentistas poderiam substituir “canal” por “radical” — é na raiz que eles tocam.
Ano passado, os donos da Patagonia doaram a empresas para organizações sem fins lucrativos que promovem projetos de mudança climática1, mas eles não são a regra e essa preocupação sempre esteve no DNA da Patagonia. Duvido que empresas gigantes que produzem em larga escala e lucram bilhões fariam o mesmo, mas me recuso ao pessimismo de que os humanos não vão sobreviver ao capitalismo. Sou do time das micro-revoluções.
Corpo bobo
Desabafei no Instagram sobre o meu tratamento para os sintomas de transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM). Para quem nunca ouviu falar, é tipo uma TPM só que multiplicada por mil. Os sintomas psicológicos são tão perturbadores que se parecem muito com uma depressão e podem durar vários dias.
Eu escrevi o seguinte:
Este ano, em maio, fiquei tão ruim da cabeça que tive certeza que estava com depressão. Vontade de fazer apenas nada, chorava o tempo todo, uma sensação horrível de vazio, viver parecia ter perdido todo o sentido. 💔
Procurei uma psiquiatra. Encontrei uma mulher atenciosa e dedicada, indicada pela minha terapeuta — eu faço psicanálise junguiana há 3 anos.
A psiquiatra ouviu tudo que eu joguei pra ela, com o máximo de detalhes (datas!). Fiquei arrasada quando ela me contou que não era depressão, porque eu queria um diagnóstico né.
Primeiro ela me passou uma medicação natural que ajudou a me sentir melhor. Quando veio a TPM, mandei mensagem pra ela avisando, “ó esses remédios não seguram minha TPM”. Ela recomendou dobrar a medicação. Ajudou, mas não resolveu.
Na consulta seguinte, comentei que ia trocar meu DIU, ela recomendou colocar o de cobre e não o de hormônio, mesmo que eu ja estivesse usando esse DIU há anos. Pensei e decidi não colocar nem um nem outro. Aprendi com uma amiga que a prevenção deve ser compartilhada entre o casal e o DIU deixa a carga toda comigo.
Agora, sem DIU, com medicação natural, percebo que não me lembro da última vez que tive uma crise. Meus sintomas pré-menstruais são bem mais suaves.
Isso me fez perceber que melhorar é absolutamente possível. Tive meus altos e baixos durante o processo. Escrever para acompanhar as pequenas melhorias me ajudou muito porque levei meses para notar uma grande diferença.
Provavelmente continuarei com o medicamento natural por meses, talvez anos, e ainda estou sendo acompanhada pela psiquiatra.
Enfim, expondo aqui um pouco porque eu sei que outras mulheres podem ter o mesmo problema e eu vi poucas pessoas falando sobre o assunto.
Depois que tirei o DIU e voltei a menstruar, fiquei tão empolgada para acompanhar meu ciclo menstrual que baixei o Flo e tenho usado para entender o que se passa com o meu corpo. Cada fase tem um ritmo diferente. Muda o sono, o apetite, a vontade de transar, de criar, de escrever, de ficar em casa ou de sair. Esses dias, vi um documentário sobre a vida selvagem na Lapônia (uma região no norte dos nórdicos) e ficou fácil perceber que assim como a natureza tem suas estações ao longo do ano, eu tenho mini estações ao longo do mês (!). Gosto de me sentir um animal de roupinhas, apesar da vida moderna que atropela as nossas fases. Fingimos ser robô, para não adoecer, não sentir dor, não ter melancolia.
Ontem a tarde, bateu uma fadiga pré-menstrual. Desde então, meu corpo está bobo, sonolento, devagar. Quero sofá, banho quente, chá, cobertor. Vontade de hibernar. Cá estou, sentada entre as almofadas, descansando na esperança de que a minha micro-revolução mude as moléculas do pensamento coletivo.
É urgente.
Até mais!
Tássia
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Eu senti um quentinho aqui com esse texto. O medo do fracasso, o cansaço de tentar combater esse medo, os ensinamentos sobre pequenez na vida e agora ter q lidar com as cobranças pra ser grande. Meio como tim Bernardes canta na música: nascer outra vez bem no meio da vida.
Só que cansa né?
"Me configuraram para ser pouco, pequena"... O tanto que me vi nesse texto...