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Ela não dá a mínima para extraterrestres, ou celulares.
Zelda que me leva pra passear, não o contrário. Eu só coloco a coleira e vou seguindo, no ritmo dela. Ela escolhe pra qual lado vamos, se quer atravessar a rua, parar ou seguir em frente. É bom ser levada, é mais fácil do que escolher para onde ir. Quando vem um cachorro agitado, eu seguro a coleira com firmeza, do contrário, é ela que escolhe com quem conversar ou não.
É bom ser levada, é mais fácil do que escolher para onde ir.
Muitas vezes a gente sai à noite, porque eu fico o dia inteiro trabalhando, ocupando as mãos no teclado do computador e os olhos saltando de uma aba pra outra. Abro e fecho o mensageiro, pra não perder nenhuma mensagem importante. Quando quero procrastinar organizo a área de trabalho. Assim, escorregam as horas em que o céu não está tão escuro.
Ontem, Zelda estava mais curiosa do que anteontem e me puxou na direção da escadaria escura que leva pro parque. Estava tão escuro que hesitei. Sei que é seguro, mesmo depois das dez da noite, mas eu tenho medo do escuro. Ela insistiu, disse que queria fuçar a neve do parque e o que restou das plantas.
Subimos.
Eu estava sem celular, portanto atenta à calçada, aos entregadores apressados e agora aos degraus da escadaria.
Enquanto ela fuçava de lá pra cá, ouvi um homem tossindo. Apertei os olhos e percebi que ele estava num banco mais a frente. Fumava e tossia. Quis oferecer um copo d’água para a garganta seca que arranhava. Cabeça baixa, tosse seca.
Zelda é fêmea, mas marca território e até levanta a pata para fazer xixi. Nós duas por ali fingindo que não estávamos ouvindo a tosse que não dava um respiro. Até que acidentalmente cruzamos olhares com o homem.
Minhas sobrancelhas saltaram para longe e meus olhos se arregalaram. Senti aquele calafrio de quando um espírito atravessa o nosso corpo e os ombros chacoalham de um jeito engraçado.
Não dava para ver o rosto do homem porque ele estava de capuz e a cabeça era apenas uma luz azul brilhante. Talvez ele fosse um vagalume – mas com a lâmpada em cima do pescoço.
Ele também pareceu assutado, virou rápido. Fiquei intrigada porque ele não estava escondido. Qualquer pessoa poderia vê-lo e ouvir a tosse de condenado. Me perguntei quem era, de onde veio, o que come, o que faz, porque ali, aquela hora, justo no escuro quando a sua luz fica mais potente.
Petrifiquei e meus pés se fundiram à neve debaixo do meu sapato.
Pensei em correr e fingir que não o vi, ao mesmo tempo. Mas não consegui sair do lugar. Então, comecei a me preparar para ser abduzida e ter minha memória deletada por extraterrestres. Meus dedos adormeceram. Tive medo: e se a Zelda não sobreviver à abdução? E se eu for abduzida sozinha e ela ficar aqui no parque achando que eu morri? Ou pior: e se ele levar só a Zelda para um experimento?
Desejei que meu celular estivesse aqui comigo, para pesquisar como sobreviver à uma abdução extraterrestre ou pelo menos mandar minha localização pelo WhatsApp.
Se eu estivesse com o celular, provavelmente de fones, ouvindo Picolé de Limão ou com a atenção pendurada em vídeos rápidos não estaria passando por isso. Já estaria voltando pra casa sem a menor ideia do que vi pelo caminho. O celular me deixa invisível, resguardada num metaverso seguro, sem homens com cabeça de lâmpada azul.
Pisquei forte repetidamente para voltar ao momento presente. Mas já não sei se fui abduzida e não me dei conta. Meus pés estão dormentes, não tem ninguém em volta. Estou andando automaticamente pra cá e pra lá, às vezes conferindo a calçada. Será que a Zelda fez cocô e eu não vi? Uma sobrancelha pra cima e a outra pra baixo: me pergunto se aquele cocô que pisei outro dia era do cachorro do vizinho, mesmo.
Como sobreviver a uma abdução extraterrestre 🛸
Você pode tentar se proteger debaixo de uma árvore, saiba mais aqui
Fuja de objetos hiperluminosos — entenda o caso.
Evite caminhos luminosos de fonte desconhecida — olha o que aconteceu aqui. Se você é sonâmbula, mais cuidado ainda.
Seja abduzida pelo seu celular antes que os ETs te vejam.
Dica de leitura: The Alien Abduction Survival Guide: How to Cope with Your ET Experience
Sai do celular
Eu sou viciada no meu celular. E o problema nem é só redes sociais e notificações, é um vício físico — minha mão procura o telefone, involuntariamente. E não foi simples de entender, primeiro eu achei que era viciada em abrir cada App e procurar por notificações, mas depois de ler este artigo entendi que eu tenho esse péssimo hábito de pegar o celular (uma centena de vezes) a cada micro tédio. E daí eu abro os Apps: Instagram, Gmail, Twitter etc, procurando alguma notificação ou apenas navego sem fazer absolutamente nada.
Quase sempre, tem algo ali para me abduzir. E aí eu vou embora, saio da realidade e passo vinte minutos sugada, derretida, presa numa discussão ridícula no Twitter que me leva a escrever uma mensagem indignada. Por sorte, consigo simplesmente respirar fundo e desistir fechar o aplicativo.
Assim, minutos de vida são roubados e uma atividade que deveria durar 10 minutos, leva meia hora porque eu passei 20 minutos abduzida pelo meu celular. Meus números de tempo de tela ainda são acima da média, tenho altos e baixos mais aos poucos chego mais perto de 20 pickups.
Preciso de uma poção mágica pra isso.
Até domingo que vem.
Tássia
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