O livro proibido
O que aconteceu depois que li Mulheres que correm com os lobos e por que às vezes é melhor fugir desse livro.
Ontem à noite, tomei um cappuccino no bar às 22:22. Arrisquei estragar o sono. Mas, ele já havia se instalado, a boca bocejava. À meia-noite, estava sonhando um sonho agoniado numa loja gigante, cheia de livros, brinquedos e escadas.
O livro proibido
As questões com felicidade vieram antes de largar tudo, vir morar no país das maravilhas e experimentar o gosto amargo do inverno infinito. Tudo começou com o livro proibido. Quando falei dele para uma amiga mais velha e com três divórcios no currículo, ela me alertou: cuidado! Quem lê esse livro se separa.
🐚(não deu outra)
É que a gente só se pergunta se é feliz quando os motivos para desconfiar entram na sala. Até lá, dá para ir vivendo um dia de cada vez.
Ler Mulheres que correm com os lobos foi a saída de emergência de uma vida toda que se rastejava. A cada capítulo descobri que não era a única me sentindo sozinha, tolhida, cansada, vivendo numa espiral. Outras mulheres, antes de mim, sentiram o mesmo. É duro e libertador porque a gente quer se sentir especial, nem que seja pela dor. Você não tem ideia de como eu me sinto. Todo mundo sabe e muita gente já viveu o mesmo, inclusive. Um misto de felicidade — por ver a placa de saída — e culpa: por que deixei isso acontecer comigo?
O livro foi um mapa do tesouro, ou de fuga, com um desenho panorâmico do que estava vivendo, apontando as emoções adoecidas. Um guia de “red flags” e tutoriais de como separar o joio do trigo. Às vezes, conexão de alma se camufla de dependência emocional. Olha que perigo.
É uma leitura emocionante para quem gosta de contos antigos, mas vem com um dedo na ferida a cada história. Clarissa explica os arquétipos sem dó e nos mostra que somos a megera e a mocinha. É para quem gosta de pensar além da conta. É cansativo. Definitivamente não é um livro para as horas livres. Precisei de suporte para entender o caminho. Sou contra dizer que todo mundo precisa de terapia, mas para mergulhar em Mulheres que correm com os lobos, compensa pedir ajuda profissional. Se for possível, claro.
O mais difícil foi desatar os padrões repetidos — tive que revirar o passado, mexer nas caixas da infância, futricar histórias de família. Tudo isso para entender porque vestia roupas apertadas para corrigir o corpo e porque me colocava em situações difíceis na tentativa de mudar minha natureza.
Disseram que nasci torta, mas era mentira.
É sempre bom fazer pausas para lamber as feridas, tomar sorvete com calda de chocolate, vestir um moletom quentinho, comprar um biquíni rosa e um roupão macio.
Como uma planta no asfalto, fui me esgueirando pelas frestas. Minhas amigas me regaram, me ouviram, me disseram a verdade: sentíamos sua falta, você não estava você. Mudei de lugar e fiz as tarefas de casa.
A criatividade foi a primeira a florescer na minha primavera atrasada. Depois, cutucou partes adormecidas de mim que estou conhecendo aos poucos. As vontades têm ido e voltado. Meio Bella Baxter das ideias, é como se tivesse nascido há pouco.
Ainda estou descobrindo quem sou.
Outras histórias do livro proibido
Surina escreveu sobre o desejo inexplicável de estar na própria companhia, um sentimento que renasceu em mim depois do livro proibido.
“Sinto muita saudade de mim.
É uma sensação constante que desperta assim que abro os olhos e que me habita ao longo do dia, todos os dias”. — Sofá da Surina.
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Disseram que nasci torta, mas era mentira. 😮💨
forte e impactante seu texto! voltei pra reler alguns parágrafos pra ter certeza que os estava consumindo em sua totalidade. obrigada por compartilhar!