Oi, minhas queridas!
Escrevo de Kuusamo, uma cidade que fica na região da Lapônia finlandesa. Decidimos passar o natal aqui, eu, Carlos e Zeldinha. Amo a paisagem branca e os pinheiros cobertos de neve. É absurdamente frio, mas, ao mesmo tempo, tão mágico.
Na noite de 23 de dezembro, saímos para caçar aurora boreal num trenó aquecido puxado por um super snowmobile. Foi como passear no trenó do papai noel, que nesse caso se chamava Sami (e não Klaus).
Quem sai para caçar aurora boreal vai ciente de que entrar na floresta e ver as estrelas já é um presente, por o fenômeno ser relativamente raro e depender totalmente da natureza. Além do céu limpo, é preciso ter a sorte de olhar para cima no minuto exato que elas escolhem dançar. Na primeira parada, nada. Céu estrelado, mas nem sinal de luz.
Foi na segunda parada que vimos uma mancha branco-esverdeada no céu — as luzes do norte estavam ali. Os olhos da câmera profissional de Sami nos deram a certeza que os nossos olhos nus não poderiam alcançar. Em poucos minutos, a luz ficou mais verde e logo sumiu. Era isso. Sami tirou uma foto minha, estou curiosa para recebê-la.
Seguimos para o último ponto: uma grillikota no meio da floresta. Talvez você já possa adivinhar pelo nome. Grillikota é uma cabana na floresta, com uma fogueira no centro e mesas ao redor. Assamos marshmallows com famílias de diferentes lugares do mundo e confraternizamos com chocolate quente com biscoito de gengibre.
Porém, o momento de calma foi quebrado por um grito lá fora:
— “Elas estão aqui!”.
Saímos às pressas e olhamos para o céu. As luzes do norte dançavam sob as nossas cabeças num verde azulado que era magia pura. A câmera do celular nada entendeu, mas o registro ajuda a recordar.
Que sorte a nossa.
Subimos a bordo do trenó, exaustos e em silêncio. Voltamos para o hotel, aproveitando o caminho por dentro da floresta e agradecendo pelo presente da Lapônia.
Feliz Natal. Feliz Yule.
Segundo inverno
O primeiro inverno me engoliu. Neste segundo, decidi aprender a navegar para além das vitaminas, luzinhas coloridas, camadas de roupa e bota de inverno. Entender o frio e a escuridão de dentro para fora.
21 de dezembro — solstício de inverno — é o dia mais curto do ano, mas é também quando os dias param de encurtar. Dizer que ficam mais longos ainda é exagero, aqui em Kuusamo amanhece às 10:40 e anoitece antes das 14:00. Esse é também o dia de Yule, é uma das celebrações mais importantes da cultura pagã (transformada em Natal pelo cristianismo).
A preparação para o ápice do inverno começa em novembro — entre o equinócio de outono e o solstício de inverno — desde lá, enfeitamos as nossas casas com símbolos que nos deixam aquecidos e resilientes para sobreviver a mais um inverno: velas e luzinhas coloridas, e a única árvore que sobrevive à temporada de neve: o pinheiro de natal.
Entretanto, até o começo da idade contemporânea — e aqui vale a ressalva de que a geladeira só se popularizou em 1930 — no inverno, era possível manter a carne resfriada e garantir que todos teriam o que comer até a próxima colheita. E, é claro, havia uma celebração para isso: os celtas chamavam de Samhain (que virou Hallowen), os nórdicos de Gormánuður e, na Finlândia, tem o Kekri Festival.
Essas festividades eram uma preparação para sobreviver aos meses gelados e sem luz do sol. Eles agradeciam pela última colheita, acendiam fogueiras enormes para iluminar a escuridão e também para homenagear os animais que seriam abatidos já que não seria possível alimentá-los.
Em Helsinki, desde 2015 acontece o Kreki’s Revival. Ano que vem, estarei lá.
The souls of the dead return to the world of living,
and people wallow in food, music, art,
and games celebrating the last rays of light and the rich harvest.
As almas dos mortos retornam ao mundo dos vivos,
e as pessoas se deliciam com comida, música, arte
e jogos celebrando os últimos raios de luz e a rica colheita.
Sofrência de inverno com geladeira, eletricidade e Wi-Fi.
Não importa a estação — peço comida fresca a qualquer hora do dia. Posso até escolher não comer carne. Aprendi a me alimentar com outros tipos de proteínas e tenho questões com a indústria alimentícia. A vida na frente do computador — e grudada no celular — me deixou mole. É tudo fácil.
A escuridão me desafia de outro jeito: não dá vontade de fazer absolutamente nada. Quando abro a janela pela manhã, parece que já é o final da tarde e meu corpo demora a entender que é hora de acordar. Os sintomas de depressão sazonal são reais. Olhar para eles de forma prática, como uma reação química do meu corpo, ajudou muito. Marquei consulta, pedi exames para checar as taxas de vitamina D, etc.
Me esforcei para encontrar um casaco que eu tivesse vontade de usar e que fosse quente suficiente para quando estiver -16 °C. Comprei roupas e accessórios de inverno, detalhes contam. Acendi velas e coloquei luzinhas pela casa. Em alguns dias, trabalhei na frente da varanda para ver a neve caindo.
E por fim, não hibernei: me forcei a sair de casa. Marquei mil coisas com o Secret Club e fui mesmo quando estava me arrastando. A viagem para a Lituânia também ajudou a seguir com a vida mesmo quando está muito-muito frio.
A vida automática, pronta, embalada me desconecta das celebrações pagãs. Ainda assim, busco inspiração no significado de cada celebração para aprender a fluir em harmonia com a natureza e também, para honrar tudo que nossos antepassados fizeram para que eu possa, por exemplo, retomar tranquilamente a fabricação dos meus amuletos de feltro, que acontecem apenas no inverno.
Será que estou fazendo valer todo o perrengue dos meus antepassados?
Até o próximo domingo!
Tássia
Uma pergunta que ficou pipocando aqui: será que eu estaria pensando sobre isso se estivesse vivendo no Brasil? Você já teve questões assim? Me conta.
É tudo tão lindo nesse texto! Teu olhar, tuas palavras, poetiza qualquer momento. A beleza em cada momento. Um cachecol 🧣numa caminha de vento cortante. Amei ❤️
Feliz natal Tassia!! Que haja sempre o movimento (interno e externo) e que possa compartilhar aqui tudo isso ❤️