Às vezes, as ideias são só faíscas. Piscam e a luzinha ressoa na vista, de leve. Logo some. Deixa mais desconforto do que interesse na mente barulhenta.
Um cara legal
Nem precisa assistir BBB — acho que todo mundo viu que o lutador Cara de Sapato e MC Guimê assediaram uma mulher no programa e acabaram expulsos. A internet choveu comentários, reflexões e gatilhos. Muitas amigas lamentaram pelas vezes que foram assediadas “de brincadeira”. Não sei de uma mulher que nunca passou por isso. Na nossa época, beijo roubado era até tema de música.
A socialização masculina é implacável, não tem homem de bom coração que escape. E são as mulheres que sofrem as consequências e, inclusive, se culpam pelo ocorrido. Ver a moça assediada pedindo desculpas, me lembrou de
quando reli a história de Adão e Eva e recordei de todas as vezes em que senti culpa apenas por ser mulher, como se carregasse em mim a culpa de Eva que tentou Adão com o fruto proibido. A maldade inata do primeiro livro das escrituras sagradas de Deus está em mim? Socorro.
Desde criança, escondi meu corpo porque ele era tentação; culpa minha porque o menino que a minha amiga gostava me beijou a força e ela deixou de ser minha amiga pra sempre; um ex-namorado disse que eu era a própria cobra que iria destruir a vida dele - ao invés de colocá-lo na linha.
Texto completo aqui.
O feminismo ainda tem um longo caminho pela frente.
Clique aqui para ver o trecho onde Valeska Zanello, filósofa que pesquisa masculinidade há mais de 20 anos no Brasil, explica sobre a masculinidade tóxica dos homens brasileiros.
Zona de conforto fofinha
Não sei se nasci camaleão ou se precisei me tornar. Mudei tanto. Sem dó. Deixei empregos, amigos, faculdade para trás. Tantas vezes fui embora de quem eu era. Comecei uma nova pasta no computador para colocar os PDFs, comprei um caderno para cada nova jornada.
No último mês, comentei, pensei muito sobre hobby e trabalho. Estava revisando meu Ikigai — o encontro entre o que amo, sei fazer bem, acho importante para o mundo e ainda é rentável. Converso com uma coach de carreira, mas, engraçado, dois dias depois de cada sessão, desisto do que havíamos combinado.
Pensando numa desculpa para a próxima sessão e me dei conta de que pela primeira vez não quero mudar. Chega de adaptação, transição de carreira. Chega de querer agarrar cada oportunidade. Chega de mudar o nome do cargo. Não sei o que me deu. Cansei? Finalmente gosto do que estou fazendo?
Sem resposta ainda.
Pensei nas pessoas que não gostam de mudanças e suspirei feliz com o cheirinho de amaciante da zona de conforto. Quem rejeita mudança talvez tenha amor-próprio, não preguiça. Talvez esteja bem e querendo aproveitar o momento. Deleitar-se no que criou para si. Ou só ficar de boa mesmo.
De toda forma, decidi sentar na janela desse trem. Vou só curtir a paisagem. Se quiser, tem um lugar vago aqui para você.
O lugar que desocupou era de um físico. Ele teve que sair às pressas porque a estudante PhD Alexia Lopez descobriu um Arco Gigante de galáxias. Se desse para ver da terra, seria como 35 luas alinhadas no céu. A descoberta está desafiando as bases da cosmologia sobre a criação do Universo.
Às vezes, uma bomba explode no nosso colo e, não mudar, significa permanecer num erro que prejudicará o futuro. Antes, o físico estava aqui tranquilo. Me disse até que a formação do Universo era suave — “o Big Bang lançou matéria simultaneamente em todas as direções. Ficou tudo bem distribuído, sabe?”.
Quando ele soube do Arco Gigante, pediu um chá de camomila no café que tem aqui no trem. “Não tem nada na física natural que explique essa formação”. Esfregou os olhos, e lamentou: “É que o Universo tem 14 bilhões de anos e qualquer objeto com mais de 1,2 bilhão de anos-luz de extensão não teria tempo de ter se formado”. Perguntei o tamanho do tal Arco Gigante. Ele se engasgou, mas conseguiu dizer: “Tem 3,3 bilhões de anos-luz”.
Agora é a vez dele de mudar.
De lugar nenhum
Quando morava em São Paulo, era nordestina. Em Recife, era matuta de Gravatá. Lá em Gravatá, eu era de Natal e, em Natal, eu era só criança, pelo menos. No Amazonas, saí tão cedo que sempre fui a pessoa de fora. Agora, na Finlândia, sou imigrante, como tantas outras mulheres imigrantes que conheço. Nos misturamos bem aqui.
É esquisito perceber que me sinto mais em casa em Helsinki do que em São Paulo. No meu país, quem diria, nunca nem considerei comprar uma — tudo era caro demais. Quem sabe em outro estado, ou no interior, eu pensava distante.
Mesmo que a conta bancária ainda me olhe desconfiada, aqui, consigo sonhar com uma casa à beira de um lago, acredita?
“Quem rejeita mudança talvez tenha amor-próprio, não preguiça.” me lembrou muito algo que minha analista me disse esses dias: qual é o problema de ser acomodada de vez em quando? não soube responder, mas é bem por aí. a gente tá sempre tentando se movimentar e esquece que ficar parada, confortável, às vezes, é uma ação muito mais transformadora, né?
amei o texto. beijo ❤️
Tantas reflexões aqui dentro depois desse texto...